Mudanças de cor durante sono podem indicar que polvos sonham
30 de junho de 2023Acumulam-se os indícios científicos de que os polvos não só sonham, como têm fases de sono comparáveis às dos humanos. Estudando 29 espécimes enquanto dormiam, cientistas do Instituto de Ciência e Tecnologia de Okinawa (OIST), no Japão, constataram períodos de "sono tranquilo" e "sono ativo".
Estes últimos se caracterizam por contrações de partes do corpo e rápidas mudanças de padrões e texturas da pele. É conhecida a capacidade dos cefalópodes de modificarem sua cor e textura em reação a impulsos externos, também para fins de camuflagem e comunicação, mas o fenômeno foi agora estudado em animais adormecidos.
Registros encefalográficos realizados no laboratório do OIST apontaram que essas fases ativas se assemelham ao estágio de sono paradoxal (rapid eye movement sleep – REM) observado em vertebrados, inclusive nos humanos, e associado à atividade onírica.
Analogias com o sono REM
A equipe de Okinawa descreve como estudou o sono de 29 polvos da espécie noturna Octopus laqueus, que à luz do dia fecham os olhos e adotam a posição de repouso associada ao sono.
A cada 60 minutos, em média, os animais apresentaram mudanças rápidas da cor da pele, por cerca de um minuto, assim como movimentos do corpo e dos olhos e alteração do ritmo respiratório. Quando os pesquisadores batiam nos aquários, os polvos apresentaram reações distintas, dependendo de se estavam acordados, na fase tranquila, ou na fase ativa do sono.
Em seguida, ao registrar a atividade neurológica das cobaias através de sondas, a equipe constatou em certas regiões do cérebro uma forte correlação entre o estado de vigília e o sono ativo, confirmando a analogia com o REM dos vertebrados.
Além disso, privados de sono por dois dias, os cefalópodes exibiram uma frequência maior da fase ativa, entrando nela mais rapidamente. Isso indicaria um controle homeostático (autorregulador) em ação, um dos critérios-chave para a definição de sono.
Um polvo e seus pesadelos
A pesquisa Padrões da pele e atividade neural semelhantes à vigília durante o sono de polvos foi publicada nesta quarta-feira (28/06) na revista científica Nature. Seu autor principal, o professor da OIST Sam Reiter, afirmou ao jornal britânico The Guardian que os resultados são consistentes com a noção de que polvos sonham, mas não a comprovam.
"Podemos associar certos padrões dérmicos, durante a vigília, a situações como caça, demonstrações sociais e de ameaça, camuflagem em ambientes diversos. Nós mostramos que esses padrões reaparecem durante o sono ativo", apontou. "Então, se estamos observando algo como sonhos – e repito que essa é uma possibilidade, que não provamos nesse estudo – eles se assemelhariam a um pseudo trajeto aleatório por diferentes tipos de experiências do estado desperto."
Uma explicação alternativa, por exemplo, seria os animais estarem aprimorando seus padrões de camuflagem enquanto dormem, complementou Reiter.
Não é a primeira vez que o sono dos polvos ocupa as manchetes científicas. Em maio, um estudo publicado no site de preprint BioRxiv relatou como um Octopus insularis macho, aparentemente em estado de semissono, por vezes deixava a posição de repouso, apresentando comportamentos associados à reação a um predador.
Embora desencorajando conclusões precipitadas, até pelo fato de se tratar de um espécime isolado, os pesquisadores americanos liderados por Eric A. Ramos sugeriram que a cobaia poderia estar "reagindo a uma lembrança episódica negativa". Em outras palavras: o polvo estaria tendo um pesadelo.
Inteligentes demais para acabar num prato de restaurante?
Talvez o pesadelo não seja sem razão: em nível mundial, o consumo gastronômico de polvos cresceu de 180 mil toneladas em 1980 para mais de 370 mil toneladas em 2019.
As novas revelações científicas coincidem com o debate ético desencadeado pelo anúncio, em fevereiro deste ano, da abertura da primeira fazenda comercial de aquacultura de polvos, na região espanhola da Galícia. Segundo a companhia Nueva Pescanova, trata-se de um "marco global" na resposta à altíssima demanda por frutos do mar.
Além das ressalvas à sustentabilidade e viabilidade do projeto – tentativas anteriores resultaram em alta mortalidade, automutilação e canibalismo entre os animais cativos –, cientistas e ativistas dos direitos animais condenam como antiética a ideia de manter cefalópodes em cativeiro.
Em 2022, a conclusão de uma resenha de 300 estudos científicos pela London School of Economics foi de que polvos são seres sencientes, capazes de vivenciar aflição e felicidade.
Em entrevista à agência de notícias Reuters, Raúl García, coordenador da ONG WWF para pesca na Espanha, afirmou: "Polvos são extremamente inteligentes e extremamente curiosos. E é bem sabido que eles não ficam felizes em condições de cativeiro."
Em laboratório, os cefalópodes, dotados de corpos extremamente flexíveis e oito tentáculos independentes cobertos por ventosas, têm se mostrado capazes de percorrer labirintos intrincados e até de manusear ferramentas, por exemplo. Na ausência de estímulos externos, até procuram formas "criativas" de se ocupar.
Falando em nome da ONG de conservação de espécies ameaçadas, García acrescenta que qualquer iniciativa de criação visando uma alta qualidade de vida para os polvos, que tente reproduzir seu habitat natural – solitário e no fundo do mar –, provavelmente seria custosa demais para resultar lucrativa.
Na fazenda de aquacultura cuja abertura está prevista para 2024, os animais deverão ser abatidos por congelamento lento – um método classificado como cruel. As leis da União Europeia sobre o bem-estar de animais de abate não se aplicam a invertebrados. E embora a Espanha, grande consumidora da fauna marinha, esteja endurecendo sua legislação de proteção animal, uma inclusão dos polvos não está prevista.