Mulheres se unem em busca de espaço na ciência
8 de novembro de 2017No mesmo espaço onde uma multidão se reúne todo mês de fevereiro para ver de perto celebridades que participam da Berlinale, o festival de cinema de Berlim, oito mulheres, divididas em dois grupos, se preparam para dialogar com uma plateia desconhecida. Elas são pesquisadoras e estão ali para falar de ciência.
Quatro pequenos caixotes de madeira posicionados perto da entrada do cinema servirão de palco para as cientistas. Elas usam um jaleco branco com uma silhueta feminina estampada, são de áreas de estudo e de países diferentes e aparentam calma. Quando começam a falar, espectadores de todas as idades se amontoam ao redor das caixas.
As apresentações são simultâneas: as pesquisadoras falam em inglês, respondem perguntas, repetem tudo em alemão, falam com as mãos. Uma hora depois, é a vez do segundo time assumir o "palco".
É assim que funciona a Soapbox Science, uma iniciativa para levar ciência feita por mulheres a espaços e públicos diversos. Na capital da Alemanha, ela é realizada pela segunda vez dentro da programação da Berlin Science Week, que se estende até o dia 10 de novembro, com mais de 50 eventos e que, segundo os organizadores, é como a "Berlinale da Ciência".
Sobre a caixa de madeira do canto direito, Mariana Cerdeira tira do bolso do jaleco uma fita de DNA feita por ela mesma com canudos e fita isolante, bolas de borracha, letras impressas num papel sulfite. São recursos que ajudam a brasileira a explicar como funciona a terapia gênica, método em estudo para tratar doenças, como câncer, por meio de transferência de material genético. Formada em Biomedicina, a cientista está prestes a finalizar o doutorado em Neurociência na Universidade de Medicina Charité, em Berlim.
"Eu gosto de falar sobre ciência, e a razão para fazer ciência é beneficiar a sociedade", diz Cerdeira. "Também precisamos quebrar os esteriótipos, mostrar principalmente para crianças e adolescentes que mulheres podem ser e são cientistas", complementa.
Falta de equilíbrio
Entre as perguntas feitas após a apresentação da pesquisadora estão as de dois estudantes alemães, de 17 anos. Eles vieram com a professora de Química, a brasileira Camila Bujaelos.
"É importante para os alunos saber que existe demanda por mulheres na ciência. Na nossa escola, duas das três disciplinas de ciência são dadas por professoras", comenta. "Nós também incentivamos as meninas a pensar em carreiras científicas. Na Europa, os salários e o reconhecimento são maiores que no Brasil", diz.
As dificuldades para as cientistas começam a se agravar depois do doutorado, opina a bióloga Ana Isabel Soares Faustino. "É quando a concorrência por uma posição permanente fica mais acirrada, e fica mais difícil para elas. Os cargos de chefia e os grupos de pesquisa são ocupados, na maioria das vezes, por homens. E as decisões acabam não sendo equilibradas."
Faustino, de origem portuguesa, é uma das organizadoras da Soapbox Science em Berlim, ideia trazida por mulheres de Portugal, Alemanha e Brasil à capital alemã em 2013. O grupo é formado por doutorandas e pesquisadoras de várias nacionalidades e conta também com um homem.
"Nessa fase da carreira, é importante dar visibilidade ao trabalho que elas fazem, mostrar que há muitas pesquisadoras competentes", explica. "Nós só queremos a igualdade, um equilíbrio (em números) nos postos de trabalho. Para que as decisões também sejam tomadas de forma equilibrada", justifica Faustino.
Conscientização sobre diferença de gênero
O evento nesse formato ainda não chegou ao Brasil. Embora o número de mulheres nas universidades do país seja expressivo, estudos apontam uma presença minoritária delas em áreas como ciências exatas e engenharias.
Na Alemanha, dados oficiais do governo mostram que as mulheres eram quase metade (45%) do total que concluiu um doutorado em 2014. Por outro lado, elas ocupam apenas 22% das vagas de professores em universidades do país.
No Reino Unido, onde a iniciativa Soapbox Science nasceu, a proporção de mulheres atuando em pesquisa de ciência, tecnologia, engenharia e matemática diminuiu de 22% para 21% desde 2015, escreveram Seirian Sumner e Nathalie Pettorelli, fundadoras do movimento.
Os caixotes da Soapbox Science começaram a ganhar as ruas em 2011, em Londres. O formato foi inspirado num ponto tradicional da capital inglesa, Speaker's Corner, no Hyde Park. No local de total liberdade de expressão, pessoas comuns podem, há mais de um século, fazer qualquer tipo de discurso subindo num caixote – chamado de soapbox.
"O objetivo do Soapbox Science é aumentar a visibilidade das mulheres na ciência e aumentar a conscientização sobre a atual diferença de gênero na pesquisa de ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Ainda precisamos disso", resumem as fundadoras.
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