Mulheres yazidis vivem dias de terror nas mãos do "Estado Islâmico"
12 de outubro de 2014É como se as cinco meninas se envergonhassem pelo que foi feito com elas. Cabisbaixas, elas ficam sentadas com o véu puxado bem para baixo do rosto, mãos firmemente cerradas.
Elas vêm de Korsho, um vilarejo nas montanhas de Sinjar, norte do território iraquiano. Ceylan é a mais nova, tem 5 anos. Zehra, a mais velha, 20. Durante três semanas, elas estiveram sob o jugo do grupo terrorista "Estado Islâmico" (EI).
"No início de agosto, os jihadistas invadiram nosso vilarejo", conta Zehra. "Eles obrigaram a população a escolher: 'vocês têm dois dias para se converter ao islamismo', disseram, 'caso contrário vocês estão ameaçados de morte'. Mas as pessoas não queriam se tornar muçulmanas, então eles nos conduziram a uma escola e separaram os homens das mulheres. Em grupos. No último grupo estava meu pai. Nós nunca mais o vimos."
Nas últimas semanas, cerca de 400 mil pessoas foram expulsas de seus vilarejos e cidades no norte do Iraque. Centenas foram assassinadas e – como se soube agora – por volta de 5 mil mulheres foram levadas para Mossul. Atualmente, esse número também é mencionado por organizações de ajuda humanitária e diplomatas ocidentais.
Os esquadrões terroristas do EI organizam verdadeiras caçadas humanas aos membros da minoria yazidi. Eles matam homens e capturam mulheres como Zehra e suas quatro irmãs. Quem conseguiu escapar atravessou o deserto montanhoso de Sinjar e prosseguiu até Lalish, na região autônoma curda.
"O pior de todos os pogroms"
Localizada num vale isolado nas acidentadas montanhas curdas, Lalish é o centro da fé yazidi. Ali, muitos dos desalojados encontraram refúgio nas últimas semanas – e, provavelmente, algum consolo. Eles montam acampamento à sombra de antigas árvores sagradas, nas ruas íngremes próximas ao templo, em nichos de parede e na entrada das casas. Por todos os lados, veem-se barracas, fogueiras, pessoas marcadas pela fuga.
"Para onde devemos ir quando o inverno chegar?", indaga uma mulher, ao que seu marido responde: "Deveríamos ir para a Alemanha. De qualquer forma, não podemos mais retornar ao novo vilarejo, o 'Estado Islâmico' está lá."
Baba Sheikh, líder religioso dos yazidis, afirmou que seu povo já sofreu 73 pogroms. "Mas este é o pior de todos eles", avalia. O ancião apresenta um semblante cansado e se esforça em classificar, de alguma forma, a atual catástrofe na história de sofrimento dos yazidis.
Mulheres raptadas
A comunidade religiosa dos yazidis, cujas origens remontam a tempos pré-cristãos, atraiu contra si o ódio de radicais islâmicos com frequência no passado. Para os muçulmanos, os yazidis seriam adoradores do diabo. Seu arcanjo Tausi Melek, adorado pelos yazidis como ser supremo criado por Deus, seria na verdade Iblis, o diabo. A teologia yazidi é muito complexa e muita rica em mitos, contradizendo assim a ideia primitiva de Deus dos islamistas.
"Na primeira noite, dormimos talvez somente duas horas", lembra Zehra. "Às 4h eles vieram então nos levar para Mossul. Um deles disse à minha irmã mais nova: levanta o véu. Minha mãe ficou enfurecida, e disse: por que você está pedindo isso para a minha filha? Ele disse mais uma vez que ela deveria remover o véu, caso contrário ele iria matá-la. Minha mãe começou a chorar. Então ele a espancou e a levou embora."
Nos primeiros dias do rapto, Zehra contou quantas pessoas haviam sido sequestradas e desapareceram no caminho que conduz a Mossul sem deixar vestígios: 65 mulheres idosas, 165 meninas solteiras e 400 homens, disse Zehra.
"Nós não sabíamos o que havia acontecido aos homens. Uma vez escutamos tiros durante a noite, salvas de tiros. Eu perguntei a um dos combatentes do EI o que era aquilo. Ele disse que não era nada, que eles tinham disparado contra um carro desconhecido. Mais tarde eles me falaram que haviam matado os homens."
Na manhã seguinte, as mulheres foram levadas em grupos para Mossul, para o centro do chamado califado. A segunda maior cidade do Iraque foi conquistada em junho último pelos terroristas do EI. De acordo com diversos testemunhos, no centro da cidade há uma espécie de mercado de mulheres, um edifício grande, onde os homens podem ser servir.
Vítimas temem estigma
"Ali foi montado um escritório. Ali se podem ver as fotos das mulheres e perguntar pelo preço", contou Suzan Aref, conhecido ativista de direitos humanos no Iraque. "Cristãs são mais caras que yazidis. Sabemos disso a partir de relatos de mulheres que passaram um tempo nas mãos do EI e retornaram. Na maioria dos casos, as mulheres são estupradas logo após o sequestro. Primeiramente, os jihadistas as dividem entre eles. Quando estão saciados, eles as vendem em Mossul e pegam um novo grupo."
Das 5 mil mulheres sequestradas, retornaram supostamente apenas 43. Não se sabe por onde retornaram, nem de que forma. Acredita-se que xeques tribais sunitas em Mossul e Fallujah teriam intermediado a libertação, em troca de pagamento. Possivelmente, essa é a única esperança para as pessoas sequestradas. Provavelmente as cinco irmãs foram libertadas dessa forma. Mas elas não dizem nada.
Em vez disso, elas temem ser rejeitadas pela tradicional sociedade dos yazidis e estigmatizadas como mulheres violentadas. Por isso que elas se sentam lá, com as mãos cerradas e cabisbaixas. "Agora eu tenho que substituir os meus pais", disse Zehra, "o que será de nós?".