Músicos brasileiros ganham relançamento em vinil na Alemanha
20 de agosto de 2013Ousadia pouca é bobagem. Esse parece ser o lema da gravadora alemã Membran, ao pautar seus novos lançamentos musicais em vinil, na briga por um lugar ao sol no desmantelado mercado fonográfico mundial.
Primeiro foi a coletânea dupla Deodato – The greatest hits, de 2011, dedicada ao pianista brasileiro Eumir Deodato, radicado nos Estados Unidos há mais de 40 anos. Agora chegam à praça europeia dois títulos não menos interessantes: Liebe Paradiso, disco de Celso Fonseca e Ronaldo Bastos gestado em Berlim e com aura de clássico, por seu refinamento; e AOR, o mais recente álbum de Ed Motta, que cantou em junho na capital alemã, acompanhado por uma banda local.
Ainda que o capricho das versões em acetato da Membran não garanta boas vendas para os três LPs brasileiros, eles aparentemente já se tornaram objeto especial de culto para alguns jornalistas europeus, que sabem que o Brasil também é a terra de Tom Jobim, Milton Nascimento e Egberto Gismonti, e não só de Michel Teló e Gusttavo Lima – campeões de vendas no hit-parade alemão.
MPB com status de culto
O apelo comercial do décimo-terceiro trabalho de Ed Motta é notório. trata-se de repertório afinado, na melhor tradição de artistas do naipe de Barry White e das bandas Chicago ou Earth, Wind and Fire – que também atraíam os alemães para as pistas de dança, durante a febre planetária do gênero disco.
Mas as sutilezas do intérprete brasileiro não passaram despercebidas por Stefan Franzen, da revista Rolling Stone alemã, que se encantou com o álbum do cantor carioca: "Na tranquilidade [da música de Ed Motta] reside um perfeccionismo 'cruel'. Ela é relax, com uma grandiosa paixão pelos detalhes", percebeu o crítico alemão diante do "barítono de voz tonitruante, cercado de teclados mágicos".
A aposta da Membran num álbum como Liebe Paradiso também aponta na mesma direção de qualidade. O selo se baseia numa filosofia que as "grandes" gravadoras vêm renegando, de décadas para cá: acreditar na viabilidade comercial de discos com inegável valor histórico, que vendem menos que as fugazes músicas da moda, mas que serão consumidos de forma mais duradoura.
O álbum de Celso Fonseca e Ronaldo Bastos é um típico exemplo de arte imperecível, segundo Bernd Kielmann, do site cd-aktuell.de. "Ele é um dos mais belos álbuns berlinenses do nosso tempo", afirma, e ressalta: "A poética e conceitual parceria do compositor Ronaldo Bastos e do cantor Celso Fonseca foi reiteradamente inspirada pelo espírito criativo da capital alemã, sendo simultaneamente uma obra-prima da música-pop brasileira".
Liebe Paradiso também foi incluído no catálogo de "Música do mundo" da cadeia de lojas culturais e editora Zweitausendeins. Em sua publicidade, esta destaca o comentário publicado na revista Musikexpress: "Partindo de acordes de guitarra pontuados sobre uma suave sinfonia, o trabalho de Fonseca e Bastos tem a mesma classe de leveza de um Antônio Carlos Jobim".
Já Christoph Dallach, do conceituado semanário alemão Der Spiegel, sentenciou: "Como é que soa, quando dois brasileiros à procura do paraíso se deixassem inspirar justamente por Berlim? Magnífico! Pelo menos neste caso. Os dois especialistas do Rio conjugam com idílica elegância jazz, bossa, folk e música pop, com tradição, modernidade e Goethe – citado no original".
Sete vidas do formato vinil
Quem checar as estatísticas da indústria fonográfica alemã vai se deparar com um dado inesperado. Num país que é vanguarda tecnológica, 79,5 % das aquisições de música ainda são nos chamados "suportes físicos", ou seja, de CD, vinil e cassete, restando uma fatia irrisória ao formato MP3 – que já foi aclamado como "futuro absoluto" do consumo de música.
Só no ano de 2012, a indústria computou um crescimento de 52% nas vendas de discos em vinil, no mundo inteiro. Enquanto nos Estados Unidos 60% da música é adquirida hoje por download e streams, os consumidores na Alemanha parecem ser menos impressionáveis pelas frenéticas mutações ditadas pelo avanço tecnológico. Nunca se comprou tanta música como hoje, e a indústria fonográfica começa a se recuperar do estrago autoimposto por ganância de lucros (nas últimas décadas as vendas de discos caíram cerca de 44%).
Um fator considerado pelas gravadoras que continuam a apostar no vinil por seu "valor agregado", é a atual qualidade da impressão em acetato. "A qualidade técnica dos discos melhorou 100% nos últimos anos", garantiu Holger Neumann, da firma alemã Pallas, em depoimento ao diário Frankfurter Rundschau. A Pallas, que é um dos cinco maiores fabricantes de vinil da Europa, também exporta seus LPs de 180 gramas para os Estados Unidos.
"Só para os EUA, nós exportamos milhares de LPs nos últimos tempos, como a caixa de vinil do Led Zeppelin e o álbum triplo de Neil Young", enumera Neumann. O custo de fabricação de um LP é de 1 euro, enquanto um CD custa de 0,15 a 0,20 euro. No entanto, "o CD deixou há muito tempo de ser um produto de alta tecnologia para se tornar um produto de massa. Por isso, o disco de vinil ganhou exclusividade. […]. Em se tratando de "música séria", o vinil sempre terá boas chances", assegura o entusiasta do acetato.
É sabido que os dados comprimidos do formato MP3 representam perda de qualidade sonora ao serem registrados, mas isso passa quase despercebido: a geração que só escuta música de download perde muito da capacidade auditiva, pelo uso ininterrupto de fones de ouvido.