Nadia Murad: a luta de uma mulher contra o "Estado Islâmico"
6 de outubro de 2018Nadia Murad nunca vai esquecer o dia 15 de agosto de 2014. Ela tinha 21 anos quando sua vida virou um inferno. Até então, a jovem nutria grandes planos: recebera autorização para estudar e pensava em se tornar professora de história ou abrir seu próprio salão de beleza em seu vilarejo.
Com cerca de 2 mil habitantes, a pequena vila onde vivia Murad fica em Sinjar, uma região do norte do Iraque habitada principalmente por yazidis curdos. Muitos já haviam fugido do povoado por medo da milícia terrorista "Estado Islâmico" (EI).
Ao longo de uma hora, mais de 300 homens, mulheres e crianças foram exterminados no vilarejo. O EI transformou o local num verdadeiro mar de sangue. Ali, seis de seus nove irmãos foram assassinados porque se negaram a se converter ao islamismo. A jovem yazidi foi forçada a testemunhar também a morte da própria mãe.
Aqueles que sobreviveram ao ataque foram raptados e levados para Mossul, bastião do "Estado Islâmico" no Iraque. Murad foi uma delas. Durante três meses, ela foi prisioneira dos combatentes jihadistas, que em meados de 2014 haviam tomado grandes áreas da Síria e do Iraque ao invadir aldeias povoadas por yazidis, cristãos e outros fiéis não muçulmanos.
Murad sofreu, nesses três meses, o peso da escravidão sexual: foi espancada, torturada, estuprada. O mesmo destino, estima-se, de mais de 5 mil mulheres yazidis.
Quatro anos depois, a sobrevivente, hoje com 25 anos, foi anunciada uma das vencedoras do Nobel da Paz de 2018 por seus esforços para acabar com o uso da violência sexual como arma de guerra, enquanto insiste que mais de 3 mil yazidis seguem desaparecidos, provavelmente ainda em cativeiro.
Segundo declarou o Comitê Norueguês do Nobel ao conceder a honraria nesta sexta-feira (05/10), Murad demonstrou "coragem fora do comum ao relatar seus sofrimentos" nas mãos da milícia terrorista. Ela divide o prêmio com o médico congolês Denis Mukwege, que passou grande parte de sua vida atendendo vítimas de violência sexual no Congo e lutando por seus direitos.
"Denis Mukwege e Nadia Murad colocaram sua segurança pessoal em risco ao combaterem com coragem crimes de guerra e buscarem justiça para suas vítimas", prosseguiu o comitê. "Eles promoveram a fraternidade entre nações ao aplicarem princípios da legislação internacional."
Três meses de abusos e tortura
Em discurso às Nações Unidas em 2016, Murad falou sobre seu tempo em cativeiro, relatando as situações indignas pelas quais passou e a violência desenfreada que ela e outras cerca de 150 famílias yazidis foram forçadas a suportar.
Ela conta que os jihadistas a obrigaram a renegar a fé yazidi, uma religião pré-cristã com cerca de 1 milhão de seguidores no mundo. "A primeira coisa que fizeram foi nos obrigar à conversão ao islã."
Após três dias em cativeiro, Murad foi "dada" de presente a um combatente do grupo jihadista, que a humilhou e a violentou diariamente. Em sua primeira tentativa de fuga, foi severamente punida. Em um quarto, foi forçada a tirar a roupa, sendo abusada e molestada por seus guardas e por uma série de homens até ficar inconsciente.
Ela afirma que, nas mãos do "Estado Islâmico", viu mulheres tirarem suas próprias vidas em meio ao desespero. "Eu nunca quis me matar, mas cheguei a querer que eles me matassem", disse em entrevista à revista americana Time.
Com ajuda de uma família muçulmana de Mossul, Murad finalmente conseguiu escapar após três meses de absoluta tortura. Com documentos de identidade falsos, chegou a um campo de refugiados no Curdistão iraquiano e, depois, foi enviada à Alemanha, onde vive até hoje.
"Eu não estava sozinha e, talvez, tenha sido uma das mais sortudas. Com o tempo, encontrei um jeito de escapar, enquanto muitos milhares não conseguiram. Eles ainda seguem prisioneiros", afirmou. "Estou aqui para representar aqueles que foram tirados de nós. Não podemos trazê-los de volta, mas lembraremos deles enquanto continuamos a lutar."
Ativismo a favor de seu povo
No país europeu, Murad se tornou uma reconhecida ativista na luta pelos direitos humanos da minoria yazidi, que antes de 2014 contava com 550 mil membros no Iraque. Atualmente 100 mil deles deixaram o país, e muitos outros estão deslocados no Curdistão.
Ela trava uma batalha incansável para ganhar aliados no combate à escravização de mulheres yazidis no norte do Iraque pela milícia terrorista, e defende que a comunidade internacional reconheça como genocídio os horrores cometidos contra seu povo.
Seu ativismo a levou para vários lugares do mundo e lhe rendeu diversos prêmios internacionais antes do Nobel da Paz. Em 2016, foi nomeada embaixadora especial da ONU para a Dignidade dos Sobreviventes do Tráfico Humano.
No mesmo ano, recebeu o Prêmio Sakharov para a Liberdade de Pensamento, principal prêmio de direitos humanos da União Europeia, ao lado de Lamiya Aji Bashar, então com 18 anos, também vítima da escravidão sexual perpetrada pelo "Estado Islâmico" no Iraque.
Por seu comprometimento destemido, Murad continuou sendo perseguida pelo EI e chegou a receber ameaças de morte. Ela diz, no entanto, que já não tem mais medo de perder a vida. "A morte é inofensiva em comparação com o inferno que todos nós tivemos de suportar."
EK/dw/dpa/lusa/rtr
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