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Nazistas chefiaram retiros infantis no pós-guerra

13 de agosto de 2020

Por décadas, milhões de crianças alemãs foram enviadas pelos pais a abrigos para reabilitação, onde viviam uma rotina de intensos maus-tratos sob o olhar de ex-oficiais de Hitler. A verdade só está vindo à tona agora.

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O retiro Mövennest, que foi chefiado por um ex-oficial da SS 
O retiro Mövennest, que foi chefiado por um ex-oficial da SS  Foto: Quelle: Heimatverein Borkum

Após a Segunda Guerra Mundial, criminosos de guerra nazistas dirigiram na Alemanha retiros para crianças onde castigos corporais e maus-tratos faziam parte da rotina, segundo revelou uma reportagem do canal público alemão ARD nesta semana.

A reportagem mostra que o ex-oficial da SS (tropa de elite nazista) Werner Scheu, condenado por colaborar no assassinato de 220 judeus lituanos em 1941, dirigiu um retiro infantil chamado Mövennest (ninho da gaivota) na ilha alemã de Borkum, no Mar do Norte, após cumprir sua sentença.

Uma mulher que passou pelo abrigo quando criança descreveu uma série de maus-tratos, como ter sido forçada a ficar descalça em um chão frio durante horas de noite e, em outra ocasião, ter sido trancada em uma sauna.

Outro diretor de retiro infantil no pós-guerra foi Albert Viethen, médico e membro de várias organizações nazistas, acusado de ter participado da eutanásia de cerca de 20 crianças sob o regime de Adolf Hitler. 

Segundo a ARD, em 1963 Viethen foi acusado de cumplicidade em assassinato, mas o caso foi arquivado por falta de provas. Ele dirigia uma casa para crianças chamada Schönsicht, em Berchtesgaden, no estado da Baviera, onde várias testemunhas descreveram terem sido rotineiramente alvos de abusos.

Nas décadas seguintes à guerra, retiros infantis (Kinderkurheime) eram populares na Alemanha. Eles ficavam geralmente em locais de clima especial, como num lago ou nas montanhas, e eram usados como alternativa, por exemplo, para a reabilitação de crianças com problemas respiratórios ou psicossociais.

Décadas de maus-tratos 

As revelações do canal ARD acrescentam uma nova dimensão às experiências das crianças enviadas pelos pais para retiros e o tratamento dado a elas nos lares educacionais especiais que existiram na Alemanha Ocidental entre os anos 1950 e 1980.

Uma recém-fundada iniciativa de pessoas que passaram por esses retiros, incluindo um grupo de autoajuda, estimou que entre 8 e 12 milhões de crianças foram enviadas a esses lares ao longo de três décadas, muitas vezes por recomendação de médicos, escolas e autoridades de bem-estar juvenil, como "tratamento" pago pelas seguradoras de saúde pública.

As histórias de abuso só começaram a surgir na mídia nos últimos anos, em parte porque as autoridades locais muitas vezes ignoraram as denúncias. O argumento usado, por exemplo, era que se tratava de memórias, não provas, como a jornalista Lena Gilhaus ouviu em 2017, quando escreveu sobre a experiência de seu pai para a emissora Deutschlandfunk.

Grande parte das provas para a nova investigação foi baseada na pesquisa de Anja Röhl, que foi enviada para um retiro em Hamburgo quando criança. Em 2009, ela publicou sua experiência pela primeira vez e, desde então, coletou 250 relatos similares de outras pessoas. Sua organização, Verschickungskinder, foi fundada há dois anos e conta hoje com mais de 3 mil membros.

"Eu tinha cinco anos quando me enviaram", contou à DW. "No primeiro dia, todas as crianças foram amarradas às suas camas, eu fiquei chocada. Fomos punidos apenas por conversar."

Röhl diz que as histórias que coletou são respaldadas por documentos – particularmente reclamações apresentadas por pais e autoridades de bem-estar juvenil. 

"As crianças voltavam mais doentes do que quando chegaram, estavam desnutridas, tinham que ser hospitalizadas", relata Röhl. "Às vezes, elas, de tão perturbadas, mal reconheciam seus pais."

Essas cartas eram com frequência simplesmente ignoradas pelos diretores de retiros, que aparentemente, suspeita Röhl, eram protegidos por interesses políticos. Mas a maioria das crianças estava inibida ou traumatizada demais para falar de suas próprias experiências, afirma.

Em um caso particularmente horrível descrito pela reportagem do canal ARD, um sobrevivente relatou ter comido a manga de seu pijama e ter vergonha demais de contar à mãe o que havia acontecido. Em outros casos, os pais simplesmente não acreditavam nos relatos dos filhos.

Conexão nazista

Röhl acredita que a conexão desses retiros com o antigo regime nazista era forte, em parte porque eles foram originalmente fundados nos anos 1930. "Acreditamos que o pessoal feminino dos campos de concentração usava os lares de crianças como locais de fuga, onde podiam encontrar trabalho", diz. "Mas não temos certeza disso."

Segundo a jornalista, o conceito nazista do que eram seres humanos desempenhou um grande papel nesses abrigos, porque os funcionários haviam sido criados, em sua maioria, sob o regime nacional-socialista.

As centenas de memórias que ela coletou têm muitas características em comum: as crianças eram submetidas a um regime de extrema disciplina, frequentes castigos corporais, eram separadas dos irmãos, deixadas em isolamento, ou eram obrigadas a dormir no mesmo quarto de crianças mais velhas, que as maltratavam.

A comida ruim também era um tema constante – os sobreviventes contam, por exemplo, como eram alimentados à força, com os cabelos amarrados a uma mesa, ou eram forçados a comer seu próprio vômito.

Röhl descreve como crianças pequenas frequentemente retornavam desses lares traumatizadas; ela ouviu histórias de tentativas de suicídio, de crianças que experimentaram depressão, se tornaram agressivas, ou não falaram durante um ano após o retorno para casa.

"Voltamos diferentes de como entramos", conta Röhl. "Voltamos feridos, em nossas almas e fisicamente."

Ela fundou uma iniciativa que pede aos governos estaduais a criação de arquivos relacionados aos abrigos e de uma hotline na qual voluntários que passaram por essas experiências atendam ligações de outras pessoas que queiram compartilhar suas próprias histórias nos retiros.