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"No fundo, a maioria não está nem aí para a corrupção"

19 de outubro de 2021

Em entrevista, o filósofo Luiz Felipe Pondé fala sobre a natureza corruptível do ser humano e a "tragédia política" vivida pelo Brasil, classificando tanto Bolsonaro quanto um possível retorno de Lula de uma catástrofe.

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Luiz Felipe Pondé
Pondé: "Se o PT se envolveu em muita corrupção, o grupo de Bolsonaro só não é mais corrupto do que o PT simplesmente porque não teve acesso a tanto dinheiro"Foto: Divulgação

Pessimista assumido, o filósofo conservador Luiz Felipe Pondé é alguém que adjetiva as coisas de forma contundente. Agora seu objeto é a felicidade — ou, talvez para ser mais claro, a infelicidade —, tema sobre o qual se debruça em seu novo livro, (In)Felicidade para Corajosos, que chega às livrarias nos próximos dias.

"Critico duramente todas as formas de felicidade veiculadas pelo marketing, todas as teses de felicidade vinculadas à prosperidade, desejo desenfreado… A importância que eu vejo nisso é desnudar a grande mentira contemporânea: uma civilização voltada para a felicidade", afirma ele, em entrevista à DW Brasil.

Diretor do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professor da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e colunista do jornal Folha de S.Paulo, Pondé também comentou sua posição conservadora frente ao governo de extrema direita do presidente Jair Bolsonaro e como vê as possibilidades para o processo eleitoral do ano que vem.

"No fundo, a maior parte das pessoas não está nem aí para a corrupção. Veja o caso do [ex-presidente] Lula: foi condenado, foi 'descondenado', está tudo lindo, e agora vai em frente porque pode ser uma opção terrível contra uma opção também terrível que é a gangue do [atual presidente Jair] Bolsonaro", diz o filósofo.

DW Brasil: Por que abordar a felicidade?

Luiz Felipe Pondé: A felicidade é vendida hoje de uma forma muito banal. Neste livro eu parto especificamente do conceito de insuficiência humana, que desenvolvi no meu doutorado a partir de autores franceses do século 17, da tradição agostiniana. Defino felicidade possível com repouso na insuficiência. Critico duramente todas as formas de felicidade veiculadas pelo marketing, todas as teses de felicidade vinculadas à prosperidade, desejo desenfreado… A importância que eu vejo nisso é desnudar a grande mentira contemporânea: uma civilização voltada para a felicidade.

Ao enfatizar no livro que "ser bom não garante nada", você quebra a lógica maniqueísta amparada pela religiosidade ocidental. Mas, ao mesmo tempo, é inevitável pensar em políticos locupletando-se à custa de corrupção. Se é assim, o que deve motivar alguém a ser bom? A felicidade mora na consciência tranquila?

Esse debate vai muito mais longe do que o debate político. Todo mundo sabe que ser bom não garante nada, mesmo que isso possa vazar alguma questão de niilismo político, entende? As coisas não deixam de ser o que são porque podemos tirar conclusões terríveis delas. Essa é a diferença entre pensar sério e pensar de forma motivacional ou de autoajuda.

Política e corrupção sempre andaram lado a lado porque corrupção é de ordem moral, e o ser humano tem uma natureza corruptível. Seguramente não vai ser dizer às pessoas que o bem paga que vai resolver o problema. O que não significa que você deve ser um escroto. 

Do ponto de vista da gestão pública, [o político] precisa entender que ser menos miserável pode fazer a sociedade em que se vive um pouco mais viável. A viabilidade pragmática de uma sociedade depende um pouco de não ser tão canalha na administração. No fundo, a maior parte das pessoas não está nem aí para a corrupção. Veja o caso do [ex-presidente] Lula: foi condenado, foi "descondenado", está tudo lindo, e agora vai em frente porque pode ser uma opção terrível contra uma opção também terrível que é a gangue do [atual presidente Jair] Bolsonaro.

Você é uma das vozes lúcidas do conservadorismo brasileiro e já defendeu o impeachment de Bolsonaro…

Meu vínculo com a ideia de campo conservador precisa ser entendido na forma filosófica e não na forma jornalística binária. […] Isso está muito distante da polaridade entre progressistas e conservadores. Para mim, propor um impeachment de Bolsonaro ou dizer que ele é uma péssima opção não tem a ver com a visão de mundo que eu tenho no campo político e no sentido moral. Bolsonaro é uma tragédia. O PT [partido de Lula] também é uma tragédia. O Brasil tem vivido uma tragédia política. […]

O impeachment de Bolsonaro seria bom, mas a própria esquerda não quer porque o Lula quer Bolsonaro sangrando. Ele não quer enfrentar qualquer um que possa derrotá-lo na eleição [em 2022]. Porque Bolsonaro é uma catástrofe. A administração da pandemia foi um escândalo. E a direita brasileira foi ficando cada vez mais burra por conta dessa obsessão binária entre ser conservador e ser progressista. Portanto, a questão de pedir o impeachment de Bolsonaro me parece uma opção, uma tentativa, inclusive para desarmar a bomba-relógio que é o retorno do PT ao governo, uma catástrofe.fco

Bolsonaro deixou de representar o conservadorismo? Em algum momento ele realmente representou o conservadorismo?

A mídia trata isso numa polarização bastante tacanha. Mas se for para dizer de forma direta, Bolsonaro representou, num dado momento de 2018, para algumas pessoas, uma solução que não fosse o retorno ao PT. Mas ele nunca representou uma tradição conservadora, que é de cauda longa e sofisticada, cheia de idas e vindas, extremamente e historicamente determinada no sentido de defesa de certas instituições. Hoje, posição conservadora seria a defesa da propriedade privada, da democracia representativa, da liberdade de expressão. […] Bolsonaro nunca representou nenhuma inteligência conservadora. Nem os bolsonaristas. Eles, na realidade, pioraram muito a qualidade política do debate no Brasil.

Em artigo publicado pela Folha de S.Paulo, você classificou Lula como opção melhor em uma disputa contra Bolsonaro. O petista seria mais representante do conservadorismo?

Eu não disse que votaria no Lula, nunca confesso voto em ninguém no debate público, porque eu entendo que intelectual público não pode estar vinculado a nenhum partido, a nenhum candidato. Disse que Lula representaria melhor posições conservadoras no sentido que ele foi testado no governo e, comparando com Bolsonaro, se saiu melhor, ainda que em contextos diferentes.

Bolsonaro se revelou irresponsável, pouco empático com o sofrimento do país e um péssimo gestor. Se o PT se envolveu em muita corrupção, o grupo de Bolsonaro só não é mais corrupto do que o PT simplesmente porque não teve acesso a tanto dinheiro. Do ponto de vista da tradição conservadora cética e experimentalista, o Lula seria uma saída menos ruim do que o Bolsonaro.

Filosoficamente, suas ideias são tidas como próximas ao pessimismo. Você também é pessimista frente à ideia de Brasil?

De fato, tenho uma visão de mundo um pouco trágica, um tanto pessimista. Mas sou extremamente pessimista com relação ao mundo contemporâneo na sua dimensão marqueteira porque tudo hoje é venda de narrativa, tudo hoje é todo mundo tentando se vender como alguém que está a favor do bem de algum modo. Sou pessimista no sentido um pouco mais profundo.

Em relação ao Brasil, é um país bastante complicado. A vida na Suécia costuma ser melhor, o que não significa que as pessoas não consigam realizar projetos no Brasil. A elite brasileira é muito escrota e oportunista. A classe política é muito ruim, miserável. Há muita razão para ser pessimista em relação ao Brasil.