Beethovenfest
28 de setembro de 2011O músico norte-americano Steve Reich é considerado o maior compositor vivo. Aos 74 anos, Reich tocou duas de suas obras durante o Beethovenfest – festival de música realizado todos os anos no início do outono europeu em Bonn, cidade natal de Beethoven. Em entrevista à Deutsche Welle, Reich falou sobre suas composições e o cenário musical hoje.
Deutsche Welle: Está se realizando a Beethovenfest, cujo lema este ano é Música do Futuro. Onde Beethoven se insere em seu rol de compositores?
Steve Reich: Beethoven foi um grande, grande compositor, que eu admiro enormemente. Mas, para mim, a história da música começa basicamente com o canto gregoriano, depois vai para o fim de 1750 com a morte de Johann Sebastian Bach. Então ela continua sem que eu tenha prestado muita atenção até Debussy, Ravel, Stravinsky, Bartok, entre outros.
Todo o período clássico e romântico está preenchido por gênios que eu não escuto e de quem eu não aprendi absolutamente nada. Aprendi mais com a música medieval, com Bartok e Stravinsky, com John Coltrane, com músicos do jazz e com Perotin, do século 12 em Paris.
No começo do século 20, as pessoas passaram a pensar no progresso da música. A música precisa ir para algum lugar – uma composição ou um compositor leva a outro?
Bem, há uma continuidade na história da música – digamos, do canto gregoriano até a morte de Johann Sebastian Bach. Aí há uma quebra. Até mesmo seus discípulos sentiram, 'não podemos seguir deste jeito'. E aí eles começaram com uma música muito mais simples. O movimento de Haydn a Mozart, a Beethoven, a Schubert, a Schumann, seguindo a Brahms e Wagner, em particular, é apenas continuidade.
É difícil dizer em qual período você está. Vai ficando menos e menos ritmado. Qualquer orquestra pode tocar Mozart ou Haydn sem um regente. Mas nenhuma orquestra no mundo pode tocar Wagner sem um maestro, porque ele não tem apenas ritmo.
Schönberg é o começo do fim do Romantismo alemão. Foi a decisão de que não se precisava de uma organização harmônica. Mas essa era a música para um pequeno número de ouvintes. Acho que Schönberg disse "em 50 anos, o carteiro vai assobiar minhas notas".
Bem, já se passaram mais de cem anos e até agora nenhum entregador de cartas assobiou suas notas. Nunca haverá um carteiro que assobie suas música. E hoje isso não significa que Schönberg não tenha sido um grande compositor – ele é. Mas ele está em um canto escuro e sempre vai ficar lá.
O que eu e outras pessoas fizemos não foi uma revolução. Foi a restauração da harmonia, do ritmo, de uma nova maneira. Também reconhecemos que sempre houve uma conexão na música ocidental entre música popular e música clássica.
Numa carta a seu pai, Mozart escreveu que queria que seus concertos de piano atingissem os especialistas, sem passar por cima das cabeças dos neófitos. Você tem o ouvinte em mente quando compõe?
Quando eu componho, percebo que sou o único na sala (risos). Tento ser um tanto quanto autocrítico. Uso das minhas faculdades emocionais para julgar o que eu gostaria de ouvir novamente. Basicamente eu não tenho nada na cabeça, a não ser me proporcionar prazer. E minha ideia básica é, bem, se eu amo aquilo provavelmente alguém vai amar também.
As pessoas me perguntam ' o que você espera que seu público sinta?'. Para mim, esta é uma pergunta absurda. Eu me preocupo profundamente que as pessoas queiram ouvir minha música. Mas a maneira como elas vão absorvê-la, como vão ser tocadas por ela – quem pode saber?
Olhando para a história da música, às vezes se vê uma influência fundamental – sem estarem cientes disso, compositores foram de certa maneira influenciados por algo da época em que viveram. Isso faz parte da sua criatividade?
Acho que todo tipo de música que conhecemos e adoramos vem de um tempo e de um lugar. Para mim, um dos grandes exemplos é Kurt Weill. Na Ópera dos Três Vinténs, Weill simplesmente recriou, a seu modo, o estilo de banda e vocal cabaré de sua época e criou uma obra-prima universal, que mesmo as pessoas que não sabem nada sobre a República de Weimar podem apreciar, seja na Rússia ou nos Estados Unidos. Mas isso não poderia vir de outro tempo ou lugar.
Nasci na cidade de Nova York e você pode perceber isso na minha voz, na velocidade da minha fala e na energia rítmica da minha música. Eu passei a não gostar de nenhuma cidade, particularmente de Nova York. Nós nos mudamos em 2006, e tínhamos um lugar em Vermont ,que foi minha salvação por 30 anos.
Com Tehillim, uma das melhores composições que já escrevi, no fim da página, onde coloquei a data, escrevi "Nova York, Stuttgart, Paris, Nova York, Vermont". Agora, eu lembro ter escrito o final em Vermont, mas quem saberia dizer qual parte foi escrita onde, e quem ligaria? Vermont Counterpoint foi escrita parte em Vermont, e outra grande parte em Nova York. Mas Nova York está dentro de mim, queira eu goste ou não, não importa onde eu esteja.
Quanto mais compositores derem testemunhos honestos sobre seu tempo e lugar, mais tenderemos a amá-los.
Entrevista: Rick Fulker (msa)
Revisão: Roselaine Wandscheer