Nova comédia alemã ridiculariza neonazistas
16 de julho de 2015O filme começa com um choque. As palavras "Alemanha 1945", a gravação original de um discurso de Hitler, pilhas de cadáveres no campo de concentração de Bergen-Belsen. E então, as palavras "Alemanha 2015". Um dos personagens principais do filme, um neonazista, picha numa parede "Wheit Pauer" (querendo escrever "White Power" – "poder branco") e uma suástica invertida.
Esta primeira sequência da comédia Heil, que estreia na Alemanha nesta quinta-feira (16/07), leva menos de cinco segundos, mas impressiona. Espectadores alemães se perguntam: isso é permitido? As imagens das atrocidades cometidas pelos nazistas podem ser destinadas ao riso? Será que a dignidade das vítimas não fica ferida? Acredito ser possível se fazer piada com isso, mas com uma ressalva: ela deve realmente machucar. Se tiver que ser humor negro, então, que seja realmente mau, tal como nessa sequência inicial.
Mas piadas nazistas da boca de um alemão não devem resultar num simples pastelão. E aqui começa o problema de Heil – título que faz referência à saudação nazista.
A história começa em Prittwitz, que é o estereótipo de uma cidade de interior do leste da Alemanha, controlada por neonazistas. É nela que, ironicamente, o festejado escritor afroalemão Sebastian Klein chega para promover seu livro, sendo espancado e sequestrado por um grupo de neonazistas. O aspecto pastelão: Klein leva um golpe na cabeça e passa a sofrer de amnésia e repetir tudo o que os neonazistas lhe dizem.
Ele repete palavras de ordem contra estrangeiros em programas de televisão, o que é um triunfo para o líder neonazista Sven, que compete com outras duas correntes. Há os neonazistas do oeste da Alemanha, chamados de nipsters, que se vestem como descolados hipsters e têm afinidade com as mídias sociais e, portanto, bem mais sucesso que os neonazistas caipiras de Prittwitz. Há também os neonazistas truculentos locais, dispostos a invadir imediatamente a Polônia.
Sátira sobre Alemanha atual
O filme não pretende só ridicularizar os neonazistas, mas quer ser uma visão satírica da Alemanha de 2015, ridicularizando tanto a esquerda antifascista dogmática, quanto autoridades alemãs e os programas televisivos de debates, que sempre exploram os mesmos escândalos vazios, entre outros.
Às vezes, os episódios individuais acabam sendo bem engraçados. Quando, por exemplo, agentes do Departamento Federal de Proteção à Constituição (BfV, na sigla em alemão), órgão cujas responsabilidades são divididas pelos estados alemães, colocam três espiões disfarçados dentro da cena neonazista de Prittwitz, porque a cidade fictícia fica na divisa entre três estados: Brandemburgo, Turíngia e Saxônia. Afinal, foi essa cooperação paralela e descoordenada de autoridades alemãs a responsável pela incapacidade de se proibir o partido de extrema-direita NPD ou de desvendar os assassinatos praticados pelo grupo neonazista NSU.
A história de violência de extrema-direita na Alemanha é também tão absurda que chega a concorrer com a sátira. Ela é tão perfeita para uma comédia quanto Hitler, desde que Charlie Chaplin o parodiou pela primeira vez. Infelizmente, o filme apresenta esse fracasso na luta contra a extrema-direita paralelamente a uma série de banalidades, fazendo com que esse detalhe se perca, exatamente quando deveria empregar um humor realmente sarcástico e negro.
Falta coragem
Seria fácil dizer que os alemães não conseguem ser engraçados. O que os britânicos conseguem tão facilmente parece ser algo difícil para seus vizinhos. Mas uma prova em contrário é Mein Führer: A Verdade Sobre Adolf Hitler, de 2007. Ele consegue fazer o que Heil não consegue: ridicularizar os nazistas sem diminuir a história ainda incrivelmente cruel do nazismo. "Por quê? Porque queremos entender o que nunca vamos entender", diz uma frase ao final do filme.
O diretor Dani Levy é judeu e suíço. Ele pode fazer o que alemães não judeus não podem. Ou, como disse o comediante Oliver Polak, "eu posso, eu sou judeu". Será que os alemães não conseguem fazer uma comédia sobre o nazismo que toque realmente na ferida?
O escritor Timur Vermes conseguiu fazer isso em 2012, com seu livro Ele está de volta. O texto também procura ser, como Heil, uma crítica atual à mídia e à política alemãs, através da figura de Hitler. Nele, o ditador discursa sobre o assassinato dos judeus, a guerra de extermínio e a ocupação de Leningrado. Vermes consegue tocar na ferida. Só o fato de Hitler falar na primeira pessoa já é prova de que o autor realmente foi corajoso.
Após grandes dramas alemães sobre jovens neonazistas, como o filme Combat Girls, de 2011, seria hora de também surgirem comédias realmente mordazes sobre o tema. Essa coragem é algo que falta em Heil.