"Não tenho imaginação", afirma diretor de "Tropa de elite 2"
11 de fevereiro de 2011Tropa de elite conquistou o Urso de Ouro no Festival Internacional de Cinema de Berlim em 2008, prêmio que marcou para o filme o início de uma trajetória internacional. No ano seguinte, seu realizador retornava à capital alemã com o documentário Garapa.
Em 2011, após já ter sido vista por 11 milhões de expectadores no Brasil e bem recebida no Festival de Sundance, a segunda parte do épico de violência urbana – Tropa de elite 2: O inimigo agora é outro – é destaque da seção Panorama, no Festival de Berlim. Leia abaixo a entrevista da DW com o diretor José Padilha.
DW: Tanto Tropa de elite quanto O inimigo agora é outro são obras impiedosas: não há um herói no sentido convencional, ninguém é premiado, nem poupado, no fim das contas. Se o primeiro filme já pisava nos calos da polícia do Rio de Janeiro, o segundo pisa em calos bem maiores, que vão até o governo federal. No entanto, ambos são sucessos estrondosos de bilheteria e de crítica. Como reagem os donos dos calos?
José Padilha: Eles ficam muito incomodados. Com Tropa de elite 1, fui processado por todos os oficiais do Bope – o Batalhão de Operações Especiais. Ameaçaram me prender na minha casa se eu não contasse quem foram os policiais que me ajudaram a fazer o filme etc etc.
Agora, os calos do Tropa de elite 2 são muito maiores porque o filme termina em Brasília, e fala de políticos. Tem gente que se reconhece, acha que está no filme. Só que ele é muito popular. Então, não dá muito voto você sair batendo no Tropa de elite 2. Sei porque recebo recados de muitos políticos que ficaram chateados – não vou dizer os nomes –, mas que, quando vão falar publicamente, dizem: "Adoro esse filme!". Eles odeiam, mas não podem dizer, porque o público comprou o filme. E porque é verdade. Quem tem calo, sabe que tem calo.
Qual é a sensação de estar pela terceira vez no Festival de Berlim? Quais as suas expectativas quanto à apresentação do seu filme mais recente aqui?
Primeiro de tudo, é maravilhoso estar em Berlim. Adoro a cidade, adoro o festival, adoro as pessoas que fazem o festival. Com ele, tenho uma história de amor: esse festival é super importante para a minha carreira. Então, na verdade, é ao contrário: estamos oferecendo nosso filme na esperança que Berlim goste dele. E o que quer que saia daqui, é fantástico, independente de onde você apresente seu filme, do tempo que lhe concederem: você deve ficar bem feliz de o seu filme estar em Berlim. No meu entender, é o melhor festival que existe.
Todas as vezes em que estive aqui, tive a mesma sensação: estou ansioso para mostrar meu filme, quero saber o que o público vai dizer. Há festivais incríveis pelo mundo afora, mas este é um pouco diferente, porque o público é um público. Não são cineastas, nem compradores, nem gente de estúdio: é um público de verdade, de gente de Berlim que adora cinema. Assim, é sempre ótimo ter um feedback. Outra coisa: o fato de eu já ter apresentado o primeiro Tropa de elite aqui torna a coisa especial, porque as pessoas são capazes de entender os dois filmes juntos.
Você enfatiza que, originalmente, não havia qualquer intenção de criar um ciclo. Mesmo assim, para o expectador, as duas partes formam um poderoso arco dramático e narrativo. Como você descreveria a relação entre elas?
A intenção é que os dois filmes se complementem, que completem o tipo de raciocínio contido neles. Em Tropa de elite 1, a ideia é que você olhe para a violência da perspectiva de um policial violento, e você realmente aceita essa perspectiva. E a questão que o filme tenta levantar é: "Por que temos policiais como este? O que é que cria este tipo de agente da lei e este tipo de perspectiva no Brasil? " Na parte um, temos esse policial que é muito violento, na patrulha e no dia-a-dia, mas sem entender de onde vem essa violência: ele não se questiona, e nós o acompanhamos nos seus próprios termos.
No segundo filme, esse homem vai ser agora capaz de entender por que ele é o que é. Continua sendo um peão num tabuleiro de xadrez, como no primeiro filme, só que agora ele consegue olhar para cima e ver quem está jogando, quem o está movendo de um lado para o outro. Então, a parte dois não transcorre dentro da polícia, em si, mas na área entre ela e os políticos. Ela explica, de certa forma, por que a polícia é como é, e lança luz sobre o primeiro filme.
Ter ambos os filmes no mesmo festival é fantástico e estou especialmente interessado em saber o que as pessoas que viram o primeiro vão achar do segundo.
Uma pergunta se coloca, sobretudo do exterior, diante de ambos os filmes: "Até que ponto o que estou vendo nas telas corresponde à realidade do Rio de Janeiro, do Brasil?" É possível responder a essa pergunta?
São filmes de ficção fortemente baseados em pesquisa e em eventos reais. Costumo dizer que não tenho imaginação, porque tudo o que se desenrola nos meus filmes acontece, de alguma forma, na realidade.
Na sequência de abertura de Tropa de elite 2, a rebelião no presídio, o cara de esquerda, da ONG, se interpõe entre o BOPE e os presos: é verdade, isso aconteceu no Brasil. Esse esquerdista se torna deputado: também é verdade, e o cara existe. Aí ele descobre as milícias, e quer iniciar uma CPI, e ninguém o escuta, até que uma jornalista é sequestrada pelas milícias: isso também é verdade.
Depois o Rio de Janeiro lança um programa para expulsar os traficantes das favelas, usando a força da polícia: isso também está acontecendo. Por fim, a polícia, sem o dinheiro das drogas, passa a controlar diretamente as favelas, virando uma espécie de máfia – uma milícia, como dizemos: bem, agora a metade das favelas é realmente controlada por milícias. What you see is what you get.
Tropa de elite também suscita uma outra pergunta para quem não vivencia diretamente a realidade brasileira. Quando o presidente Lula assumiu o poder, era enorme a expectativa, também internacional, de que ele iria "consertar o país". E aí, você mostra esse mar de corrupção: isso quer dizer que Lula falhou?
O Brasil é um país enorme, que tem que lidar com inúmeras problemáticas: econômicas, diferenças sociais – pouquíssimas pessoas têm um monte de dinheiro, um número enorme só tem o mínimo. Há outros problemas, como a corrupção, a violência. Eu diria que Lula foi bem sucedido em alguns desses campos e fracassou em outros. Como a maioria dos presidentes: ainda estou para ver um que consiga resolver todas as questões de um país inteiro.
Mas no tocante à corrupção, acho que Lula fracassou fragorosamente, completamente e de uma maneira muito ruim. O governo dele era corrupto, ele foi apanhado num esquema gigantesco de corrupção chamado "mensalão". Muita gente importante do seu governo está agora respondendo a processo, mas ele conseguiu sair incólume, de alguma forma. E tem uma popularidade enorme no Brasil – por que, em outros aspectos, foi muito bom. Ele conseguiu elevar muita gente pobre até à classe média. Então, sendo bem direto: acho que ele fracassou na corrupção, mas teve êxito em vários outros aspectos econômicos, e foi isso que permitiu que elegesse a sua candidata.