O aceno do partido de Merkel aos populistas de direita
8 de novembro de 2019Na convenção de 2018 da União Democrata Cristã (CDU), partido da chanceler federal alemã, Angela Merkel, os conservadores estabeleceram uma linha partidária oficial em relação a uma colaboração com a legenda populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD), afirmando que qualquer coalizão ou forma semelhante de cooperação estaria fora de questão.
Enquanto o acrônimo AfD raramente é pronunciado por candidatos da CDU em suas campanhas, Markus Söder, líder do partido irmão da CDU na Baviera, a União Social Cristã (CSU), foi além e afirmou que mesmo "uma conversa para tomar um café" estava fora de cogitação.
Enquanto isso, a líder da CDU, Annegret Kramp-Karrenbauer, ameaçou excluir do partido aqueles que flertarem com a ideia de cooperar com a extrema direita.
Mas nos estados do Leste alemão, onde a AfD teve um crescimento significativo nas recentes eleições estaduais, certos políticos da CDU parecem estar alimentando a ideia de uma aproximação com os populista de direita – particularmente entre os membros do grupo mais conservador da legenda.
Intitulada "Werteunion" (União de Valores), a ala mais conservadora da CDU está desesperada para se afastar do meio-termo político, que por muito tempo tem sido o território ideológico de Merkel na Alemanha.
Agora, em meio a esforços desesperados para formar uma coalizão no estado da Turíngia, no Leste alemão, uma carta conjunta de 17 políticos conservadores defendeu a disponibilidade para negociar com "todos os partidos democraticamente eleitos".
As eleições de outubro na Turíngia representaram um duro golpe para a CDU, que despencou de partido mais forte do estado em 2014 para o terceiro lugar, atrás da legenda A Esquerda e da AfD, que mais do que dobrou seus votos em relação ao pleito anterior, chegando a 22,5%.
Apesar de não mencionar a AfD, os signatários da carta alegaram ser impensável que "quase um quarto dos eleitores" na Turíngia devam "ficar de fora das negociações". Eles, porém, descartam a possibilidade de apoiar Björn Höcke, o líder dos populistas de direita no estado, ou de ajudar o atual governador, Bodo Ramelow, da sigla A Esquerda, a se manter no cargo.
"Coalizões com ambas [A Esquerda e AfD] são, portanto, impossíveis. Tudo entre os dois, no entanto, deve ser discutido entre os democratas, a fim de entender se e como um governo estável pode ser formado na Turíngia", disse um grupo num trecho da carta.
Conselho Central dos Judeus reprova carta
Em resposta à carta, o presidente do Conselho Central dos Judeus na Alemanha, Josef Schuster, afirmou ao jornal alemão Der Tagesspiegel que os 17 políticos conservadores que assinaram a carta estavam "agindo de forma irresponsável".
"Eles ajudam a tornar a AfD mais socialmente aceitável", disse Schuster, sublinhando que já uma vez na história alemã, políticos agiram como "loros de estribos" para um partido operado pela extrema direita e que estavam "terrivelmente enganados". "Isto deveria ser um aviso suficiente para todos os democratas nos dias de hoje", concluiu.
Da mesma forma, o secretário-geral da CDU, Paul Ziemiak, chamou as demandas de negociações com a AfD de "malucas". "A opinião da CDU não mudou. Ponto. Fim da declaração", disse.
Já Lars Klingbeil, secretário-geral do Partido Social-Democrata (SPD), legenda que governa o país ao lado da sigla de Merkel, pediu à líder da CDU e também ministra da Defesa, Annegret Kramp-Karrenbauer, que intervenha. "O firewall à direita está ficando cada vez mais rachado na CDU. Está na hora de parar com isso", escreveu Klingbeil no Twitter.
Apesar da linha partidária comum na CDU, a "proibição" de cooperação com a AfD, que partiu do alto escalão, nem sempre foi implementada nos níveis mais baixos no sistema político da Alemanha, que é dividido em federal, estadual e local.
Nos últimos meses, o sucesso dos populistas de direita em várias eleições municipais deu à AfD a chance de cooperar com outros partidos. Relatos na mídia alemã local sugeriram, em muitos casos, um relaxamento da "proibição" da CDU.
Em Görlitz, na fronteira entre Alemanha e Polônia, por exemplo, autoridades municipais nomearam o político da AfD Norman Knauthe para liderar o Comitê de Meio Ambiente e Ordem. A imprensa local descreveu Knauthe como um fanático por armas e apoiador do grupo de extrema direita Movimento Identitário.
No conselho municipal de Frankenstein, no estado da Renânia-Palatinado, no oeste da Alemanha, a política da CDU Monika Schirdewahn e seu marido Horst, membro da AfD, formaram no meio do ano uma facção dos dois partidos chamada Progresso Frankenstein. Schirdewahn foi expulsa da CDU, no final de outubro.
Apesar dos casos de cooperação entre CDU e AfD nos patamares mais baixos da política alemã, o professor de Política Comparada na Universidade de Oxford, Matthias Dilling, alertou contra a extrapolação do que é visto em níveis locais e sua aplicação em níveis mais altos.
"A política local funciona de maneira muito diferente da do nível estadual, sem falar daquela em âmbito federal. Laços pessoais e conhecer pessoas, à vezes, são mais importantes que a afiliação partidária", disse Dilling.
A perspectiva de a CDU manter conversações com a AfD na Turíngia, no entanto, levantou mais preocupações do que em outras regiões da Alemanha. Höcke, o líder da AfD na Turíngia, também está a frente da ala nacionalista extremista do partido, da qual até alguns populistas de direita têm se distanciado. As ações de política estadual também podem ser significativamente mais consequentes para a política nacional.
Espectro conservador
Com as eleições federais de 2021 em mente, a maior parte dos conservadores da CDU deseja redefinir seu perfil com uma provável leve guinada para a direita na próxima campanha eleitoral.
Dillinger avaliou, porém, que a cooperação entre CDU e AfD nos níveis estaduais e federal permanece improvável. Mesmo dentro do conceito de conservadorismo, os partidos possuem diferenças substanciais.
Enquanto o conservadorismo da CDU segue uma tradição cristã, por exemplo, o que alguns membros da AfD chamam de conservadorismo está muito mais próximo do conservadorismo nacionalista e de posições da direita radical.
"Demarcar-se da AfD, em vez de cooperar com ela, pode ajudar a CDU a melhorar seu perfil, esclarecendo: 'é isso o que defendemos; isso é o que é inaceitável para nós'", disse Dilling à DW. "A cooperação com a AfD pode apenas reforçar a crítica à vicissitude ideológica pela qual a CDU tem sido criticada nos últimos anos. Isso pode ajudar a levar em consideração as preocupações do eleitores decepcionados sem, por sua vez, alienar os eleitores do centro", acrescentou o especialista.
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