O alerta de cientistas contra o desaparecimento de insetos
29 de janeiro de 2020Cientistas de diferentes países se uniram para pedir, por meio de um artigo na revista Nature Ecology and Evolution, ações imediatas para a preservação dos insetos, além de medidas que melhorem os ecossistemas e a sociedade em geral.
Segundo os 75 pesquisadores que assinam o roteiro de ações, a eliminação gradual de pesticidas e a diversificação das terras agrícolas, por exemplo, podem ajudar a salvar espécies ameaçadas.
"Nós colhemos o que plantamos", disse Jeff Harvey, ecologista do Instituto de Ecologia da Holanda e principal autor do documento. "É óbvio que o declínio de insetos afetará outras espécies da cadeia alimentar, e não podemos colocar pequenos curativos nisso."
A biodiversidade da Terra está diminuindo a uma escala sem precedentes. Enquanto isso, os dados populacionais sobre insetos ainda são irregulares. Ainda assim, para os autores do texto, é possível e necessário agir de imediato, ajudando ecossistemas mesmo que não seja possível comprovar benefícios para espécies isoladamente.
"Apocalipse de insetos”
No ano passado, um artigo publicado na revista Biological Conservation gerou manchetes anunciando um "apocalipse de insetos" e o "colapso da natureza", ao constatar que 40% das espécies de insetos poderiam estar sob ameaça de extinção em algumas décadas. Alguns especialistas criticaram o artigo pelo uso de termos tendenciosos e por avaliar mal o risco de extinção.
"Poucos dados estão disponíveis para a maioria das espécies, por isso é simplesmente falso afirmar que existe um consenso científico de que os insetos estão em declínio global", disse Manu Saunders, ecologista da Universidade da Nova Inglaterra, por e-mail. "É uma questão muito diferente da dos insetos que estão sob ameaça real por várias razões, particularmente limpeza de terras, pesticidas, mudanças climáticas etc."
A Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na sigla em inglês), painel convocado pela ONU que reúne especialistas em ecologia, classificou provisoriamente a cifra de espécies ameaçadas de insetos em 10% no ano passado, no estudo mais abrangente já realizado.
"Acho que, globalmente, temos um declínio considerável de espécies", afirma Josef Settele, ecologista do Centro Alemão Helmholtz de Pesquisa Ambiental e copresidente do relatório do IPBES. "40% parece muito alto e 10%, em nossa avaliação global, muito baixo, mas esse é o intervalo."
Mesmo que os pesquisadores discordem quanto às tendências gerais, eles se unem em três pontos: a importância dos insetos para a humanidade, as ameaças crescentes que eles enfrentam e a falta de ação para preservá-los.
Os insetos desempenham um papel vital nos ecossistemas, e os seres humanos são particularmente dependentes deles para alimentação. Onde menos minhocas reabastecem o solo e as populações cada vez menores de abelhas e borboletas lutam para polinizar as colheitas, o suprimento de alimentos pode cair catastroficamente.
O relatório do IPBES estimou que até 577 bilhões de dólares (522 bilhões de euros) na produção agrícola anual estão em risco como resultado apenas da perda de polinizadores.
Perdas globais
Na Austrália, onde Manu Saunders trabalha, incêndios violentos agravados pela mudança climática deixaram estragos na vida selvagem. O fogo, que se alastrou por uma área maior que a de Portugal, matou cerca de um bilhão de animais, com alguns sobreviventes buscando refúgio em cursos de água e até tocas para escapar do calor.
Uma análise preliminar do governo na semana passada descobriu que os incêndios queimaram mais da metade do habitat de 114 espécies ameaçadas.
Entre elas está a cochonilha, um inseto em perigo de extinção que se acredita viver apenas em um único tipo de arbusto, vulnerável a doenças, incêndios e mudanças climáticas. É uma das quatro espécies de insetos em uma lista de 327 espécies vulneráveis que viram pelo menos 10% de seu habitat conhecido afetado pelos incêndios.
"O maior problema é que temos muito poucos dados sobre as espécies de insetos que estavam nesses locais antes do incêndio, então não temos como saber quantas foram afetadas e em quais locais", diz Saunders.
A perspectiva de incêndios mais intensos e frequentes na Austrália – e as dificuldades que as florestas devem enfrentar ao voltar a crescer – provocaram temores sobre as populações de insetos no longo prazo.
Pressão agrícola
Na Alemanha, onde a perda de insetos é mais bem documentada, a velocidade e a escala do declínio chocaram os cientistas. Um estudo publicado na revista Plos One em 2017 observou uma queda de 76% dos insetos voadores nas reservas naturais ao longo de quase três décadas.
A perda de população não se limitou a criaturas bem estudadas, como abelhas e borboletas, mas abrangeu insetos voadores como um todo, e foi documentada em áreas supostamente protegidas da ação de seres humanos. Os pesquisadores sugerem que a agricultura e os pesticidas agravaram o declínio, observando que quase todas as reservas estavam cercadas por terras agrícolas.
Em setembro passado, o governo alemão anunciou um plano de ação de 100 milhões de euros por ano que inclui a proteção de habitats, a eliminação gradual do controverso herbicida glifosato e a redução da poluição, em um esforço para combater a perda de insetos. Um quarto do financiamento será destinado à pesquisa.
Os cientistas que escreveram o roteiro para a conservação dos insetos veem a Alemanha como um exemplo a ser seguido. Mas o foco na proteção de insetos sem grandes reformas agrícolas deixou algumas incertezas.
A agricultura industrial, pesticidas e monoculturas representam grandes ameaças. E esse contexto, por sua vez, põe em risco as colheitas e o suprimento de alimentos, de acordo com um "atlas de insetos" publicado em janeiro pela Fundação Heinrich-Böll, pela Amigos da Terra Alemanha (Bund) e o jornal Le Monde Diplomatique.
A Alemanha é forte na proteção de insetos, mas falha em assumir o papel da agricultura nesse problema, diz Christine Chemnitz, especialista em política agrícola da Fundação Heinrich-Böll e líder do projeto do atlas. "Apoiamos totalmente [o programa de proteção], mas o vemos de forma crítica, porque a política agrícola também precisa mudar urgentemente."
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