O ano em que a Síria voltou a ser de Assad
16 de dezembro de 2019Quase uma década de guerra na Síria. Quase uma década em que mais de meio milhão de sírios morreram e milhões estão refugiados, tanto dentro como fora do país. Quase dez anos cujo resumo político o presidente Bashar al-Assad fez em entrevista recente à emissora de televisão italiana Rai. Com ar confiante na vitória, ele afirmou que a Síria sairá da guerra para um futuro promissor: "A situação é muito, muito melhor, já que aprendemos muitas lições desta guerra. [...] Estamos emergindo mais fortes desta guerra."
"Nós" se refere provavelmente ao governo sírio que, graças a seus aliados – Rússia, Irã e o Hisbolá libanês –, derrotou os insurgentes e nos últimos anos tem retomado cada vez mais áreas antes ocupadas pelos rebeldes. Agora, Assad está tão firme no trono do poder que é improvável estar disposto a fazer concessões aos rebeldes restantes ou às Nações Unidas, que pressionam pela paz no país.
Perspectivas sombrias
"O presidente Assad e seus aliados venceram a guerra com ajuda da Rússia e do Irã", confirma o pesquisador André Bank, especialista em Oriente Médio do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga). Ele afirma que o país vive uma espécie de "paz da vitória", apesar dos contínuos combates por Idlib, no noroeste, e do controle territorial dividido entre Rússia, Estados Unidos, Turquia, o Exército sírio e as unidades de defesa popular curdas no nordeste. "Com isso, Assad ainda se manterá no poder num futuro próximo."
O governo alemão vê sombrio o futuro da Síria. Um relatório confidencial do Ministério do Exterior, a que o jornal berlinense Der Tagesspiegel teve acesso, afirma que o país está num estado catastrófico. De acordo com o documento, o abastecimento é precário e a economia está entrando em colapso.
Mais de dois terços dos sírios – 69% da população – vivem em estado de extrema pobreza e com menos de dois dólares por dia. O relatório afirma também que 5 milhões de sírios "precisam urgentemente de ajuda" e que em nenhuma parte da Síria há proteção contra perseguição política e tortura.
"Politicamente, o futuro parece sombrio para a grande maioria da população", confirma André Bank. "Para a maioria absoluta dos sírios, a sobrevivência da ditadura com o domínio dos serviços secretos, com prisões arbitrárias e tortura, significa que ainda não há segurança sustentável e perspectivas de vida de médio prazo". Assim, a vitória de Assad estaria longe de representar reconstrução e um primeiro passo para a reconciliação do país traumatizado: "Em vez disso, o que impera é um silêncio sepulcral ou clima de velório."
Recrudescimento dos jihadistas
A disputa pela região de Idlib, no noroeste do país, iniciada em 2019, deve continuar em 2020. A área é o último refúgio para grupos jihadistas como o Comitê para a Libertação da Síria (Hayi'at Tahrir ash-Sham – HTS). André Bank acredita que as forças aéreas da Síria e da Rússia tentem aumentar seu controle sobre a região de Idlib com bombardeios maciços, o que encontrará forte resistência do HTS. "Por isso deverão ocorrer grandes baixas entre os aproximadamente 3 milhões de habitantes locais, além de fuga maciça da região", prevê Bank.
Os jihadistas, particularmente o "Estado Islâmico" (EI), também devem se reagrupar no nordeste da Síria. Depois que a organização jihadista parecia derrotada militarmente meses atrás, a invasão turca de outubro de 2019 lhe deu oportunidades inesperadas.
Na luta contra o Exército turco, os curdos também removeram alguns dos combatentes que tomavam conta dos integrantes do EI que haviam sido capturados pelos curdos. Estes aproveitaram o caos para fugir com suas famílias das prisões controladas pelos curdos. Devido à situação política e economicamente desastrosa na Síria, eles devem ter sucesso em ganhar novos recrutas. "Ainda existe uma base social para o EI em partes do Leste da Síria e do Oeste do Iraque", diz André Bank.
Interesses europeus
No geral, é provável que a posição do regime de Assad se consolide ainda mais em 2020, embora ele tenha perdido parte de sua autonomia – tendo que coordenar questões fundamentais com seus dois principais aliados, Rússia e Irã. Devido ao alto custo de suas intervenções, ambos os países têm interesse em acabar com a violência. Por isso, nos próximos meses, sobretudo a Rússia deve procurar ajuda, em especial na Europa, para a reconstrução do país.
"No entanto, a Europa tem interesses próprios na Síria", diz André Bank. O continente enfrenta o desafio de se opor à normalização do regime de Assad, apesar de sua influência diplomática atualmente limitada sobre a Síria.
Na opinião do especialista, países europeus, e a Alemanha em particular, devem, ao invés de financiar um programa de reconstrução que fortaleça as estruturas ditatoriais e corruptas locais, se concentrar, dentro de um contexto multilateral, em três outras áreas: documentação das violações dos direitos humanos na Síria, com seus devidos processos internacionais de punição; manutenção da ajuda humanitária aos países vizinhos da Síria; e uma ação ofensiva em prol de uma política aberta de integração e de refugiados.
André Bank insiste que a Europa não deve desistir dos seus esforços, acima de tudo em relação aos refugiados, "porque não se pode descartar que muito mais gente venha a fugir em breve, como resultado da ditadura que continua na Síria".
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