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O Brasil e a encruzilhada de Hong Kong

Fernando Scheller16 de novembro de 2005

Professor Nelson Delgado, da UFRJ, diz na Alemanha que governo Lula parece ter perdido foco da discussão sobre subsídios agrícolas. Ele considera "mínimas" as chances de sucesso na rodada de negociações de Hong Kong.

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Documento para a liberalização do comércio mundial tem futuro?Foto: AP

O G-20, grupo de países em desenvolvimento formado para combater o protecionismo norte-americano e europeu em relação à agricultura, surgiu na rodada da Organização Mundial do Comércio (OMC) no México, em 2003, como um "poder alternativo" dos países do Hemisfério Sul como não se via desde os anos 70.

De acordo com o professor Nelson Delgado, que foi conselheiro científico da comitiva brasileira em Cancún, a entrada do Brasil neste grupo foi conseqüência do governo Lula. Segundo o professor, o projeto desenvolvimentista que o atual presidente tentava implementar – ao menos no início do governo – vinha ao encontro das necessidades de países em desenvolvimento que, ao contrário do Brasil, não são grandes exportadores de alimentos.

Mudança de discurso

Nelson Delgado
Professor Nelson DelgadoFoto: Fernando Scheller

"O discurso do Brasil havia mudado. Desde os anos 90, batíamos na tecla da questão do acesso a mercados. Em 2003, no início do governo Lula, outras preocupações passaram a fazer parte da agenda do Itamaraty, como segurança alimentar e agricultura familiar. Essas mudanças vieram ao encontro das necessidades de uma variada gama de países em desenvolvimento", explicou o professor, em palestra que reuniu cerca de 200 pessoas em Kassel.

Ao procurar derrubar subsídios não somente para ganhar mais mercado para seus produtos, mas também para proteger o mercado interno, o Brasil ganhou o apoio de nações importantes, como Índia e China, e também de organizações não-governamentais (ONGs) que trabalham em projetos de combate à fome e de proteção ao meio ambiente no Hemisfério Sul. Com Lula à frente, o Brasil virou o sucesso do momento.

O G-20 conseguiu bloquear a proposta de redução de subsídios agrícolas da União Européia e dos EUA – classificados por Delgado como "uma piada", em que não se avançava em nenhum ponto – e saiu do México como o novo líder das nações em desenvolvimento.

Crise e superávit

Entretanto, muita coisa aconteceu no Brasil nos últimos dois anos – e a política externa do país foi duramente afetada por essas mudanças. Para começar, o governo Lula perdeu apoio popular com sucessivas denúncias de corrupção no Partido dos Trabalhadores (PT). Além disso, o país continuou comprometido com as metas estabelecidas com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o que exige do Brasil um superávit das contas públicas.

Conforme explicou o professor do Centro de Pós-Graduação em Desenvolvimento Agrícola da UFRJ, as escolhas que o governo Lula fez causaram uma inversão de prioridade nas negociações internacionais. Segurança alimentar e projetos de agricultura familiar, que seriam benéficos ao país em longo prazo, foram esquecidos em favor da busca por mais mercados para a agricultura extensiva no país.

Landwirtschaft und Urwald in Brasilien
Campos agrícolas na floresta amazônicaFoto: AP

"Escolhemos um caminho de políticas para a elite, que vai beneficiar quem tem dinheiro. Mas, dentro da escolha de política macroeconômica que o governo fez, buscar novos mercados para a agricultura é necessário, pois precisamos do dinheiro das exportações", disse Delgado.

Entretanto, em 2003, no início do governo, o direcionamento ideológico parecia ser outro: "Cheguei a presenciar conversas entre o Itamaraty e o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), o que era inédito no Brasil. Mas este tipo de negociação não existe mais".

Líder legítimo?

Na medida em que o Brasil abriu mão da proteção à agricultura familiar e voltou a bater na tecla do acesso a mercados, o país pode ter perdido a legitimidade para falar pelo G-20, em Hong Kong, no mês que vem. "Afinal, o que países como Tanzânia e outras pequenas economias que fazem parte do grupo têm a ganhar com a liberação da entrada de grandes quantidades de soja na Europa, por exemplo?", questiona o professor da UFRJ.

Para Delgado, as possibilidades de um acordo sair das mesas de negociação em Hong Kong são mínimas: "A menos que ocorra algo de novo, o destino de Hong Kong parece ser o impasse, a exemplo do que ocorreu em Cancún".

Perdas e ganhos

Bananen, Wirtschaft
Banana latino-americana, um dos pontos da discórdiaFoto: dpa

Qualquer que seja o resultado da nova rodada de negociações, o Brasil já ganhou muito com o G-20, na visão do professor da UFRJ. Ao lado da Índia, da União Européia, dos EUA e da Austrália, o país faz parte do grupo que negocia previamente as propostas para a agricultura dentro da OMC. Além disso, na prática, o Brasil vem ganhando disputas comerciais contra as grandes economias do mundo.

Entretanto, houve trapalhadas que poderiam ter sido evitadas e que riscaram a imagem do país. Uma delas foi a candidatura de Luiz Felipe Seixas Corrêa à direção da OMC. "Queimaram o Seixas Corrêa, o homem que desenhou o G-20 em Cancún. Está certo que o candidato do Uruguai (Carlos Pérez del Castillo) era ruim, mas o país não soube lançar seu próprio nome", afirmou.

Delgado admitiu também uma decepção ideológica com o atual papel do Brasil na OMC: "A preocupação com o desenvolvimento, que existia em 2003, parece ter sido esquecida, deixou de ser construída. E sobrou a luta para o fortalecimento dos agronegócios, cuja expansão tem altos custos ambientais e sociais".