O Brasil na imprensa alemã (03/04)
3 de abril de 2019Handelsblatt – "O imprevisível", 28/03/2019
Desde 1° de janeiro, Bolsonaro governa o Brasil – ou melhor: ele deveria governar. É que o populista de direita se ocupa bem pouco dos reais negócios do governo, que parecem não interessá-lo. Diante da elite econômica internacional em Davos, ele não discursou nem por seis minutos. Estavam previstos 45 minutos. Muitos no Brasil pensam: "ainda bem". É que, quando Bolsonaro se pronuncia com parcos conhecimentos sobre a futura reforma, difama o Carnaval com vídeos obscenos ou demite seu ministro da Secretaria-Geral da Presidência por pressão de seus filhos, os mercados financeiros ficam nervosos. Nas últimas semanas, o real se tornou uma das moedas mais voláteis dos países emergentes.
O nervosismo tem um bom motivo: investidores e empresários do mundo todo olham atentos para o Brasil atualmente – e para o experimento que o novo presidente quer fazer com suas dificuldades iniciais. O país da Amazônia não é somente, e de longe, a maior economia da América do Sul. O Brasil também é algo como um indicador prévio da saúde econômica de um continente inteiro. Se o Brasil escorregar de novo para a hiperinflação, a recessão e o isolamento econômico, ou se a eterna "esperança" da América do Sul finalmente poderá usar seu grande potencial, depende de Bolsonaro.
Frankfurter Allgemeine Zeitung – "Os probleminhas habituais de um regime", 29/03/2019
De fato, hoje em dia, a Venezuela é um exemplo muito mais ilustrativo de uma ditadura do que a que houve no Brasil entre 1964 e 1985 para muitos jovens brasileiros. Muitos deles conhecem a ditadura brasileira apenas dos livros de História ou das narrativas de seus pais. As declarações do presidente e do núcleo ideológico em seu governo, porém, têm como objetivo reprimir a palavra "ditadura" da compreensão dos brasileiros de sua história.
O golpe, que completa 55 anos a 31 de março, deve ser visto como "movimento necessário" para que o Brasil "não se tornasse uma ditadura", segundo disse o ministro das Relações Exteriores de Bolsonaro, Ernesto Araújo. Segundo a argumentação, o Exército defendeu os interesses da população na época e agiu constitucionalmente quando derrubou o então presidente João Goulart.
Os acontecimentos depois do golpe foram reconstruídos por uma Comissão da Verdade há alguns anos: mais de 430 assassinatos, tortura, perseguição sistemática e genocídios de indígenas entraram na conta da ditadura militar – segundo declarações de Bolsonaro, "probleminhas" habituais de um regime.
É verdade que Bolsonaro atualmente tem problemas maiores que a defesa da ditadura militar. Na última quarta-feira (27/03), o real teve queda tão vertiginosa que o Banco Central precisou intervir para escorá-lo. Um conflito entre o governo e o Congresso sobre a reforma da Previdência está dificultando a olhos vistos a aprovação dessa reorganização iminentemente necessária do ponto de vista econômico. O episódio envolvendo o aniversário do golpe reforça os temores no país de que o presidente Bolsonaro se detém com detalhes sem importância e guerras de trincheiras ideológicas, em vez de tratar dos verdadeiros problemas do país.
Die Tageszeitung – "Bolsonaro descobre a 'narrativa verdadeira' da obscura história do Brasil", 01/04/2019
Na sexta-feira (29/03), os democratas brasileiros pensaram que podiam respirar aliviados: a juíza Ivani Silva da Luz havia proibido as comemorações dos 55 anos do golpe militar. O desejo do presidente Jair Bolsonaro de lembrar os acontecimentos de 31 de março de 1964 por meio de determinação e sem referência aos aspectos autoritários e violações dos direitos humanos do golpe, lhe foi negado. (...)
Mas, apenas um dia depois, outra juíza, Maria do Carmo Cardoso, derrubou a liminar, argumentando que um Estado de Direito democrático tem como base o "pluralismo de ideais".
Com isso, o governo ultradireitista liderado pelo ex-militar Bolsonaro, que despreza a democracia, conseguiu novamente reforçar sua pretensão de fazer uma releitura de acontecimentos históricos e de romper o tabu em torno dos "anos de chumbo" da ditadura militar. Nos 21 anos do regime, mais de 400 oposicionistas foram mortos, milhares deles exilados ou torturados, como foi o caso da ex-presidente Dilma Roussef. (...)
A afirmação de que o golpe de 64 tenha impedido algo "pior", como tuitou a jornalista conservadora de direita e deputada Joice Hasselmann, é a tentativa de reescrever a história. Ou, como a própria Hasselmann escreve, "a retomada da narrativa verdadeira da nossa história". Combina com isso a alegação do ministro do Exterior, Ernesto Araújo, em que ele diz que o nacional-socialismo na Alemanha teria sido uma ideologia de esquerda. Nesse contexto, o governo brasileiro não rememora um período obscuro iniciado há 55 anos apenas em seu aniversário, mas o faz diariamente.
RK/ots
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