O Brasil na imprensa alemã (22/06)
22 de junho de 2022Der Tagesspiegel: Horror na Amazônia (17/06)
Não há mais nenhuma esperança de que o jornalista britânico Dom Phillips, 57 anos, e o indigenista brasileiro Bruno Pereira, 41 anos, estejam vivos. Os dois desapareceram há uma semana e meia numa das regiões mais remotas da Amazônia. Dois irmãos, detidos há alguns dias, confessaram estar envolvidos nos assassinatos. [...]
Pereira havia recebido ameaças de morte no passado porque, ao lado dos povos indígenas do Vale do Javari, tentou dar um fim às atividades de diversos grupos criminosos na terra indígena. [...]
É uma triste realidade: ativistas ambientais no Brasil vivem em extremo perigo. Em 2020, segundo a ONG de diretos humanos Global Witness, 20 ativistas foram mortos por se colocarem no caminho dos interesses econômicos de grandes proprietários de terras. O assassinato de um jornalista estrangeiro enquanto fazia seu trabalho é uma novidade e um indício de que o Brasil sob o comando do presidente ultradireitista Jair Bolsonaro se tornou ainda mais sem lei. Desde a posse de Bolsonaro em 2019, seu governo incentiva grupos criminosos, como garimpeiros ilegais, a invadirem reservas indígenas e áreas de proteção ambiental.
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Há dias, Bolsonaro já havia culpado indiretamente Pereira e Phillips por suas mortes, quando disse que ambos tinham partido numa aventura. Agora ele voltou ao assunto. "Esse inglês", disse ele sobre Dom Phillips, "era malvisto na região, porque fazia muita matéria contra garimpeiros, questão ambiental." Soa como se Bolsonaro estivesse tentando justificar o duplo homicídio. Diversas organizações de jornalistas, incluindo a Repórteres sem Fronteiras, divulgaram um comunicado no qual afirmam: "Não aceitamos que o horror e a escuridão dominem o Brasil. O Brasil não é uma aventura."
Frankfurter Allgemeine Zeitung: Um olhar na profundeza da Amazônia (18/06)
Sentado no meio da floresta, Bruno Pereira entoa uma canção na língua do povo indígena isolado Kanamari. Ele parece exausto e feliz. Está acompanhado por alguns indígenas. O vídeo que circula nas redes sociais no Brasil foi feito há alguns anos. [...] As imagens teriam sido feitas pelo jornalista britânico Dom Phillips, que acompanhou Pereira em tais expedições várias vezes ao longo dos anos.
Em maio, os dois partiram novamente numa expedição no Vale do Javari, a segunda maior terra indígena do Brasil e a com a maior concentração de povos indígenas isolados. Há alguns anos, pescadores e caçadores ilegais, desmatadores e outros criminosos fazem o mal na área protegida. [...]
Há duas semanas, quando os dois regressavam da expedição, eles foram interceptados por um ou mais homens no rio e mortos. [...]
Já no passado, ativistas desapareceram no Brasil. Muitos se lembram da ambientalista Dorothy Stang, que foi assassinada em 2005 a mando de um grande proprietário de terra. Agora atingiu um dos mais renomados indigenistas do país e também um jornalista que atuava há tempos no Brasil. [...]
O desaparecimento dos dois causou manchetes e indagação em todo o mundo. [...]
A crítica também é dirigida ao presidente brasileiro, Jair Bolsonaro. Seu governo cortou a verba de órgãos ambientais e de proteção a indígenas e assiste à invasão da Amazônia e suas áreas de proteção por milhares de garimpeiros ilegais aparentemente de braços cruzados. Os comentários do presidente após o desaparecimento de Phillips e Pereira foram na mesma direção. Os dois seriam malvistos na região, disse Bolsonaro, porque se posicionavam contra garimpeiros. Eles teriam embarcado numa aventura onde tudo poderia acontecer, acrescentou. Soa como se a culpa fosse deles. Na quinta-feira, após críticas internas do governo se tornarem conhecidas, Bolsonaro ofereceu pelo menos condolências às famílias.
Desde o início de seu mandato, Bolsonaro deixou claro numa coletiva de imprensa com jornalistas estrangeiros sobre o que acha de estrangeiros que defendem a Amazônia. Phillips estava na mesa, a dois lugares de distância de Bolsonaro. Ao ser questionado por Phillips sobre o desmatamento e cortes em órgãos de proteção ambiental, o presidente disse: "O que vocês precisam entender primeiro: a Amazônia é nossa, e não de vocês." O caso de Phillips e Pereira mostra mais uma vez que a Amazônia é cada vez menos do Brasil – e a olhos vistos dos criminosos.
Wirtschaftswoche: Aqui eles amam a Monsanto (17/06)
As erupções cutâneas e a coceira ela já conhecia desde a juventude. Sempre que tratores pulverizavam os campos do outro lado da estrada. Mas num dia de verão de 2011, tudo foi muito pior para Sabrina Ortiz. O ar cheirava a veneno. "Minhas narinas começaram a queimar, minha boca, minha garganta, meus olhos, meu rosto estavam vermelhos. Fiquei enjoada e vomitei." Quando ela foi levada ao hospital em Pergamino, o bebê que esperava já estava morto, após seis meses de gravidez. "Envenenamento", escreveu o médico no seu prontuário. Só isso. E disse: "Se eu acrescentar a palavra pesticida, terei que temer pela minha vida."
Hoje Ortiz luta por justiça na Argentina. Depois de sua tragédia pessoal, ela procurou por outras vítimas, estudou Direito e apresentou uma denúncia em 2017. Atualmente, o caso está no segundo tribunal de San Nicolás. Apesar de ainda em curso, ele se tornou um processo-modelo: contra fazendeiros, contra comunidades e fiscais inativos – mas não contra fabricantes de pesticidas.
A Argentina é um paraíso para multinacionais agrícolas – e também para a Bayer. [...]
Para o chefe da Bayer, Werner Baumann, em toda a América do Sul se mostra o que ele imaginou com a compra da Monsanto: a participação de mercado é impressionante, os lucros exuberantes – e o apoio político é enorme. Os fazendeiros alimentam o mundo – com ajuda de produtos químicos.
A Bayer não tem que esperar problemas aqui. Em Washington, ao contrário, a Suprema Corte dos EUA deve decidir nos próximos dias se aceita o caso Bayer. [...]
Na América do Sul, por outro lado, a Bayer é estimada como fornecedora agrícola. Em 2021, a unidade de negócios Crop Science registrou um "aumento no faturamento significativo", na América Latina, um crescimento de "dois dígitos". O setor, que agrupa defensivos agrícolas e sementes, registrou um aumento de 60% no faturamento no primeiro trimestre de 2022. [...]
Principalmente no Brasil, cresce soja, milho, cana-de-açúcar e laranja. Logo depois de sua posse em 2019, o presidente Jair Bolsonaro flexibilizou por decreto a aprovação de agrotóxicos. Desde então, houve uma avalanche de aprovações. Cerca de 40% de todos os agrotóxicos disponíveis hoje foram aprovados no governo Bolsonaro. Durante anos, as multinacionais se queixavam de demora porque três ministérios precisavam aprovar. Bolsonaro tirou da jogada os ministérios da Saúde e do Meio Ambiente – e deixou o processo de aprovação com a pasta de Agricultura, onde quem manda é o lobby do agronegócio. [...]
Apenas 5% dos agrotóxicos aprovados pelo governo Bolsonaro são produzidos completamente no Brasil – o resto é importado. Empresas como Bayer, Syngenta e Basf vendem na América do Sul pesticidas que não são aprovados – ou não são mais – na União Europeia e Suíça. Os fabricantes invocam a competência dos órgãos de aprovação dos países receptores. "O fato de um defensor agrícola não ser aprovado na UE não diz nada sobre sua segurança", diz a Bayer. Além disso, o Brasil proíbe produtos que são aprovados na UE. [...]
Com suas inovações agroquímicas, a Bayer conquistou a liderança em partes do mercado na América do Sul. Na Argentina, por exemplo, a participação no mercado é estimada em 18%, e somente no cultivo da soja em 37%. [...]