O Brasil na imprensa alemã (24/08)
24 de agosto de 2022Neues Deutschland – Só uma ampla aliança pode vencer Bolsonaro (20/08)
Uma nova geração conquistou seu lugar político no Brasil, entre ela estão muitas mulheres, negros e indígenas. Com ela, nasce esperança para a esquerda.
Na América Latina, protestos de rua sempre foram um indicador do clima entre a população e arautos de reviravoltas políticas. No Brasil também se pode aferir o status quo da esquerda a partir de sua capacidade de mobilização. E, apesar da trajetória de destruição de Bolsonaro, ela não conseguiu organizar grandes protestos.
Quando, em maio de 2019, o governo anunciou cortes no setor da educação, de fato centenas de milhares foram às ruas por todo o país. A ira era grande, pois a educação é um ponto nevrálgico no Brasil. Porém as manifestações logo se esvaziaram. Tampouco os protestos dos torcedores de futebol antifascistas no início da pandemia de covid-19 conseguiram dar partida a uma mobilização mais duradoura contra o governo.
Desde então, praticamente não houve protestos maiores, dignos de nota. Por que a esquerda enfrenta toda essa dificuldade? Nunca foi fácil organizar atos de âmbito nacional num país do porte do Brasil. O Norte e o Sul não são muito distantes entre si apenas geograficamente, mas também do ponto de vista cultural e político.
Um outro motivo: a temida onda de repressão contra os esquerdistas pode não ter ocorrido até agora, mas muitos têm medo da violência policial e ficam longe das manifestações. Além disso, partes da esquerda estão brigadas.
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Apesar das numerosas crises, nos últimos anos voltou a haver movimento dentro da esquerda. Uma nova geração se politizou e conquistou, autoconfiante, seu lugar na política. Novos rostos marcam o panorama político: mulheres, negros, indígenas. Isso é praticamente uma revolução, num país onde a maioria da política ainda é do sexo masculino, branca e abastada.
Nas últimas eleições, além disso, 30 políticas/os trans ocuparam vagas nas câmaras locais de todo o país. Enquanto na Europa se discute com emotividade sobre a suposta contradição entre política identitária e de classe, para os esquerdistas do Brasil é mais normal travar juntos lutas diversas. Criticar a desigualdade sem condenar o racismo e o sexismo? Difícil imaginar. Quase todos os movimentos têm grupos de trabalho para LGBTIs.
Coletivos feministas se solidarizam com as/os motoristas de ônibus em greve, grupos afrobrasileiros enfatizam a conexão entre racismo e capitalismo.
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A pobreza cresce cada vez mais, a fome voltou com toda fúria, também a classe média sente isso na pele. A pandemia seguramente piorou a situação.
Não são poucos os que preveem que nos próximos anos a questão social será mais decisiva do que nunca para o país. É uma chance para a esquerda: se ela trouxer para o centro o combate à desigualdade, sem negligenciar o racismo, o sexismo e a homofobia, há motivo para ter esperanças.
Handelsblatt – O ataque dos influencers (22/08)
A cerca de seis semanas das eleições, os nervos de Jair Bolsonaro estão à flor da pele: nas pesquisas de intenção de voto, ele está 15 pontos percentuais atrás de seu opositor, o duplamente ex-presidente Luíz Inácio Lula da Silva.
Com incrementos bilionários da ajuda social, gás de cozinha barato e distribuição de dinheiro em espécie para taxistas e caminhoneiros, nos últimos dias o presidente brasileiro conseguiu reduzir a distância em relação a Lula.
Mas agora oposição em suas próprias alas ameaça o ex-militar, e justamente onde ele se sente mais seguro: nas redes sociais. Lá, influenciadores que, na verdade, pertencem a seu campo político passaram de repente a questionar o presidente.
Agora, pela primeira vez, Bolsonaro perdeu as estribeiras: durante um evento de campanha diante da sua residência em Brasília, atacou o influenciador Wilker Leão, agarrou-o pela camiseta e tentou lhe tirar o celular. Leão o provocara com insultos pesados como "covarde", "vagabundo", "safado".
A irrupção de cólera de Bolsonaro vem bem a calhar para seu adversário político Lula. Pois no Brasil as redes sociais se tornaram decisivas para os resultados dos pleitos. Em 2018, enquanto outsider político, Bolsonaro alcançou o posto de chefe de Estado graças à mobilização em massa nas redes. Adeptos seus patrocinaram campanhas ilegais para inundar os grupos de WhatsApp com notícias falsas sobre os opositores.
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Por sua vez, Lula perde de longe para o populista de direita nas redes sociais. A presença midiática do político de 76 anos é, na melhor das hipóteses desajeitada. Na conta do TikTok, só aberta em meados de junho, o líder trabalhista condenado por corrupção aparece acariciando um cachorrinho. No Instagram, as storys quase dão sono, como se o manifesto político do PT tivesse sido transformado em filme.
Entretanto, a dominância de Bolsonaro nas redes sociais não está mais assegurada, uma meteórica mudança de clima está em andamento. Até agora, a maioria dos influenciadores brasileiros de maior alcance se mantinham em seus posicionamentos políticos, temendo perder seguidores e, por conseguinte, patrocinadores.
Agora isso está mudando: os adeptos dos 500 mil influenciadores com mais de 10 mil seguidores exigem cada vez mais que os grandes das redes sociais se posicionem com clareza.
Como acaba de fazer Anitta, uma das cantoras e apresentadoras mais populares da América Latina. Ela é seguida por 83 milhões no Instagram e Tiktok – o equivalente à população da Alemanha. Seis semanas atrás, conclamou seus seguidores a votarem em Lula: com suas tiradas contra as minorias, o Judiciário e a cultura, Bolsonaro não devia nem estar governando, afirmou a artista.
Só por causa dessa postagem de Anitta, por algum tempo Lula poderá ficar empatado com seu adversário em termos de atenção nas redes sociais. Não é de espantar que Bolsonaro esteja tão nervoso.
Frankfurter Allgemeine Zeitung – Visita de Estado do passado (24/08)
O Brasil preparou uma cordial recepção para Dom Pedro 1º – ou para o que sobrou dele. Pontualmente para o bicentenário da independência brasileira, em 7 de setembro, o coração preservado do antigo imperador chegou do local onde fica guardado, em Portugal, até o país, num voo da Aeronáutica. Lá foi recebido na terça-feira, com honras militares, na presença do presidente Jair Bolsonaro.
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Os demais restos mortais de Dom Pedro 1º foram trasladados para o Brasil em 1972, por ocasião do sesquicentenário da independência e durante a ditadura militar. Lá os ossos foram primeiramente expostos em diversas cidades e mais tarde depositados no Monumento à Independência do Brasil, em São Paulo, onde se encontram até hoje.
O coração, no entanto, será levado de volta a Portugal após as festividades do Dia da Independência. Até lá, fica mantido num recipiente de vidro seguro no Palácio do Itamaraty, vigiado por pessoal de segurança do Exército e da Polícia Federal, e circundado por uma exposição sobre a vida e a obra do antigo imperador.
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A chegada do coração imperial foi celebrada em Brasília com todas as honrarias, guarda de honra e salva de canhões, como se se tratasse da visita de um chefe de Estados. "Como se Dom Pedro estivesse entre nós", alegrava-se, já dias antes, o mestre de cerimônias do Itamaraty pelo visitante incomum.
Em vez do hino de Portugal, aliás, tocou-se ao lado do Hino Nacional Brasileiro o Hino da Independência, composto 200 anos atrás por Dom Pedro em pessoa. Consta que, em seu tempo livre, o imperador se dedicava com devoção à música, e tinha talento apreciável.