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O Brasil na imprensa alemã (26/10)

26 de outubro de 2022

Mídia alemã destaca um campo de treinamento de evangélicos contra "comunistas", o perfil do presidente do TSE, Alexandre de Moraes, e a "briga de lama" em que se transformou a campanha eleitoral brasileira.

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Jornal alemão compara a corrida eleitoral brasileira a uma "luta na lama"Foto: Douglas Magno/AFP/Mateus Bonomi/AA/picture alliance

Der Tagesspiegel – "Uma questão de crença" (25/10)

À beira da floresta tropical brasileira, Jackson Souza, um policial de cerca de 40 anos que está de folga, amarra suas botas e veste uma balaclava. É uma noite de sexta-feira, e Souza se posiciona na frente de uma barraca e espera até as primeiras pessoas aparecerem pela estrada de barro. Finalmente elas se aproximam, passam timidamente como ovelhas pastoreadas pelas tochas que ele e seus companheiros haviam montado antes. Qualquer um que queira entrar aqui tem que passar por Souza.

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É ali que começa o mundo do "Comando Gólgota", um grupo militarizado de Imperatriz, no Maranhão. A duas horas da cidade, Jackson e seus companheiros montaram um campo de treinamento com barracas de madeira e para dormir. Eles usam uniformes como se fossem soldados – e não fazendeiros ou policiais, como Jackson Souza, que tem um nome diferente na vida real.

Ninguém deve saber que ele realiza exercícios militares no local, um fim de semana após o outro. O que às vezes parece ser encenação é, na verdade, um treinamento para emergências. "Se o nosso país entrar numa guerra bíblica, quero estar preparado para defender o povo de Deus", diz Souza.

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Esses evangélicos radicais estão entre o grupo de eleitores mais importante do Brasil. A cada ano, 14 mil novas igrejas evangélicas são abertas no país. [...]

No mais tardar até 2032, o Brasil poderá ser o maior país evangélico do mundo, com milhões de seguidores que levam a Bíblia ao pé da letra e querem converter as últimas tribos indígenas. Eles veem em Jair Bolsonaro uma espécie de representante de Jesus Cristo na Terra.

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Souza vive em Imperatriz, a cerca de duas horas de carro do acampamento. Ele é casado e trabalha como policial. "O que é que está fazendo aqui?", grita  para o primeiro homem que entra no local por seu posto de controle. É o início de uma dramatização nesta sexta-feira à noite, uma espécie de treinamento em guerra psicológica. Há principalmente homens, mas também algumas mulheres. Eles usam terços no pescoço e uma fita com a Estrela de Davi no bolso do peito, que é considerado um símbolo dos evangélicos no Brasil.

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Há dezenas de grupos como o Comando Gólgota, que realizam tais campos de treinamento várias vezes por mês, embora este seja particularmente radicalizado. [...]

Após o teste na entrada, ele prepara os participantes para o esforço das próximas 48 horas: caminhadas noturnas e treinamento de sobrevivência, dramatizações e simulações. É assim que eles querem se armar contra comunistas, socialistas e ambientalistas, todos inimigos do Evangelho e que se opõem à "civilização" da floresta tropical por Bolsonaro. O movimento evangélico brasileiro se radicalizou nos últimos anos. [...]

Süddeutsche Zeitung – "Entre fake news e ataques" (25/10)

No último domingo, um conflito armado irrompeu em Comendador Levy Gasparian, no Rio de Janeiro. De um lado, Roberto Jefferson, ex-deputado que agora pertence ao campo da ultradireita. Do outro lado: policiais federais, que deveriam prender Jefferson por desacato, entre outros motivos, . Mas o político abriu fogo e até jogou granadas, causando um caos que se agravou quando manifestantes apareceram no local.

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No próximo domingo, o país elegerá um novo presidente: Lula contra Jair Bolsonaro; ex-presidente contra atual governante, esquerda moderada contra ultradireita. O Brasil está profundamente polarizado, enquanto boatos e notícias falsas na internet continuam esquentando o clima.

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O presidente se aproveitou disso nas últimas eleições, em 2018. [...] Nos dias atuais, nada mudou na estratégia: notícias falsas estão sendo divulgadas em fóruns leais a Bolsonaro, segundo os quais cultos nas igrejas poderiam ser proibidos no Brasil, caso Lula vença as eleições. Mas a esquerda há muito aprendeu algo novo: por exemplo, ela desenterrou um vídeo antigo que liga Bolsonaro à Maçonaria [...].

A campanha eleitoral está se transformando cada vez mais numa briga de lama. Os meios de comunicação tradicionais do país ainda tentam manter alguma calma e dignidade nisso tudo, mas nem sempre conseguem. Há tempos, muitos se posicionaram de forma mais ou menos aberta, não necessariamente a favor de Lula, mas bem claramente contra Jair Bolsonaro [...].

A tensão aumenta, quanto mais a eleição se aproxima. Bolsonaro ainda está em segundo lugar nas pesquisas, mas o ultradireitista e seus apoiadores estão convencidos de que elas mentem. Na verdade, Bolsonaro obteve muito mais votos no primeiro turno do que previam as pesquisas [...].

Pode ser que o presidente vença as eleições de domingo, mas a grande questão é o que acontecerá se ele perder. "Só Deus me tira desse cargo", declarou o presidente repetidas vezes nos últimos meses. O Brasil, é claro, terá dias difíceis pela frente.   

Süddeutsche Zeitung – "Alexandre de Moraes" (21/10)

Há alguns dias, Alexandre de Moraes determinou a remoção de um vídeo da internet. Algo assim acontece com frequência, pois Moraes é ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Nessas funções, ele já mandou apagar milhares de conteúdos das redes sociais por difamação ou fake news. Mas, desta vez foi diferente.

O vídeo em questão mostrava Jair Bolsonaro durante uma entrevista. Ele começou falando sobre a Venezuela e os perigos se a esquerda vencer as eleições. Mas então, casualmente, começa a contar uma situação em que supostamente "pintou um clima" entre ele e uma refugiada venezuelana menor de idade.

A indignação explodiu, o vídeo circulou nas redes e acusaram Bolsonaro de pedofilia. [...] Mas então o inesperado aconteceu: o vídeo foi apagado das redes, por ordem de Alexandre de Moraes, porque teria sido retirado de contexto.

[...] Muitos que antes viam Alexandre de Moraes apenas como um juiz robô arquiconservador agora o saudaram como um defensor da democracia. Sempre que Bolsonaro tomava uma decisão controversa, Moraes geralmente a anulava – tanto faz se eram nomeações suspeitas ou quando o presidente não quis mais publicar os números de infecção por covid-19.

Isso é "ativismo judicial", reclama Jair Bolsonaro. Em 2021, ele disse a seus correligionários que ignoraria todas as decisões de Moraes. Em certa ocasião, chegou a tentar destituir o juiz do cargo – um processo inédito no país.

Alexandre de Moraes também é presidente do TSE desde agosto. O segundo turno da eleição presidencial provavelmente será o maior desafio de sua carreira. Bolsonaro questionou repetidamente o sistema eleitoral e, por muito tempo, seus apoiadores diziam que Moraes favorecia a esquerda em suas decisões. Mas agora é provável que essa crítica tenha chegado ao fim: a ordem de apagar o vídeo pelo menos mantém Bolsonaro na corrida eleitoral.

Um temor no Brasil é que, se o presidente vencer as eleições, vá tentar reestruturar o STF e ocupá-lo com juízes mais fáceis de lidar do que Alexandre de Moraes. Em outras palavras, juízes que se sintam menos comprometidos com a lei – e mais com o próprio presidente de ultradireita.