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O (b)ônus de um triste passado

(rr)15 de julho de 2004

A apenas dois meses da abertura oficial da coleção Flick em Berlim, a polêmica continua. Diante de acirradas críticas, a organização achou uma solução para o impasse: contar aos visitantes o passado da família Flick.

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Friedrich-Christian Flick, à frente de sua coleçãoFoto: AP

Trata-se de uma das maiores coleções particulares de arte moderna do mundo: do patrimônio adquirido pelo alemão Friedrich-Christian Flick constam mais de 2500 obras, de mestres da arte moderna como Francis Picabia, Marcel Duchamp, Kurt Schwitters e Piet Mondrian a contemporâneos como Bruce Naumann, Nam June Paik e Cindy Sherman.

Mas quem compra a fruta, leva também a casca. Friedrich-Christian é o herdeiro de um passado amargo. Seu avô era um fabricante de armamentos condenado a sete anos de prisão pelo Tribunal de Nurembergue – a instância encarregada de julgar crimes ligados à Segunda Guerra –, por exploração de trabalho escravo, saque de territórios ocupados e por negociar com a SS.

Friedrich Flick vor dem Kriegsverbrechertribunal in Nürnberg
O avô do colecionador perante o Tribunal de NurembergueFoto: Getty Images/Keystone

Por isso as duras críticas. Será que Berlim - antiga capital do Terceiro Reich - deveria ou mesmo poderia expor as obras do neto de um criminoso nazista? A polêmica foi levantada por Salomon Korn, vice-presidente do Conselho Geral dos Judeus na Alemanha, que vê a exposição como uma tentativa de Flick de "lavar o passado" da família.

Solução paliativa?

Klaus-Dieter Lehmann, presidente da Fundação Preussischer Kulturbesitz, classificou as críticas como "polêmicas" e as dispensou como parte de uma "campanha de provocação". Entretanto, para acalmar os ânimos, a fundação anunciou que investigará, em conjunto com o Instituto de História Contemporânea de Munique, o passado da família Flick e seu envolvimento com o nazismo. Friedrich-Christian aceitou colaborar, colocando à disposição todos os documentos de que dispõe.

Os visitantes da exposição receberão um informativo gratuito contendo uma entrevista com o colecionador, na qual comenta a história de sua família, seu envolvimento com o nazismo e sua relação com a arte. O boletim, no entanto, não questionará a origem do patrimônio de Flick, garante Lehmann. Para separar a história da família da história da arte, entende-se.

A direção do Museu do Presente Hamburger Bahnhof, no qual as obras ficarão expostas, ressaltou que se trata meramente de uma exposição da coleção Flick, não de um "Museu Flick", numa tentativa de reforçar sua independência em relação ao colecionador.

Casa nova, vida nova

Friedrich Christian Flick Collection im Hamburger Bahnhof
O arquiteto Wilfried Kuehn (e) e o diretor da Associação de Museus de Berlim, Peter-Klaus Schuster (d), apresentam o galpão ao prefeito de BerlimFoto: AP

Na terça-feira (13), o prefeito de Berlim, Klaus Wowereit apresentou o Rieckhalle, o galpão ao lado do Museu do Presente no qual as obras ficarão expostas por sete anos. A reforma do velho galpão, avaliada em sete milhões de euros, foi financiada pelo próprio Friedrich-Christian.

Ao todo, são 13 mil metros quadrados de área disponível. A coleção será exposta em etapas anuais. Entretanto, da abertura em 21 de setembro a 23 de janeiro de 2005, os visitantes verão uma seleção das melhores obras.

Se o velho provérbio "casa nova, vida nova" estiver certo, amantes da arte desfrutarão de uma das maiores coleções privadas de arte moderna do mundo sem aquela desagradável sensação de culpa. Será?