O caminho da Turquia rumo à autocracia
22 de julho de 2016A repressão desencadeada após a tentativa de golpe na Turquia elevou receios na União Europeia (UE) de que o governo Recep Tayyip Erdogan possa estar adotando um caminho autocrático, o que dificultaria ainda mais as já complicadas relações entre Ancara e Bruxelas.
A Turquia é um importante vizinho da UE e negocia seu ingresso no bloco desde 2005 – ainda que as conversas estejam praticamente estagnadas atualmente. É, além disso, um país considerado fundamental na resolução da crise migratória, por abrigar mais de 2 milhões de refugiados sírios.
Observadores veem uma mudança gradual no governo Erdogan. Desde o início das negociações, as normas europeias – de liberdade de expressão à política de concorrência – eram tidas como referência em Ancara.
Mas agora, afirma o diplomata Marc Pierini – ex-embaixador da União Europeia na Turquia –, aos olhos de Erdogan o bloco é apenas um obstáculo no caminho para um regime presidencialista autoritário.
Desde o golpe, por exemplo, apoiadores de Erdogan vêm pedindo o restabelecimento da pena de morte, que a Turquia baniu na década passada justamente como parte de seus esforços para ingressar na União Europeia. O presidente deixou a possibilidade em aberto.
A chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, deixou claro que a reintrodução da pena de morte na Turquia significaria o fim das conversações. Nesta quinta-feira, o governo turco anunciou a suspensão da Convenção Europeia de Direitos Humanos durante o estado de emergência, decretado por três meses.
O comissário para Negociações de Ampliação da UE, Johannes Hahn, afirmou que, para ele, a "grande limpeza" nas instituições executada por Erdogan foi planejada. Desde que parte das Forças Armadas tentou tomar o poder, em 15 de julho, cerca de 10 mil detenções foram realizadas no país. E milhares de integrantes do Judiciário, do funcionalismo público e das universidades foram afastados. Hahn afirma que a lista de alvos já deveria estar há muito tempo na gaveta, argumentando que nenhum governo poderia reagir de forma tão rápida.
Acordos ameaçados
Eurodeputados conservadores dizem que as negociações sobre a adesão à UE são a única possibilidade de exercer alguma influência na Turquia e defendem sua continuação. Já os representantes do Partido Verde e do partido A Esquerda pedem o rompimento das conversações.
Até o final de setembro já terão sido desembolsados 2 bilhões de euros para projetos de ajuda no âmbito do acordo migratório, e o dinheiro, segundo a Comissão Europeia, é revertido diretamente em favor dos refugiados sírios na Turquia. No total, 3 bilhões de euros foram prometidos, e Bruxelas quer manter o acordo. Até agora, não há indícios de que a Turquia não vá cumprir com suas obrigações.
Porém, é discutível como o acordo vai prosseguir a partir de agora. O comissário europeu Günther Oettinger já descartou para este ano o fim do visto para cidadãos turcos ingressarem nos países da União Europeia – uma das condições para o cumprimento do pacto sobre refugiados. Porém, Erdogan diz que, se o fim do visto não sair do papel, não há acordo.
No Parlamento Europeu, um acordo sobre a questão é tido como improvável, dadas as diferenças entres as forças majoritárias. A eurodeputada social-democrata holandesa Kati Piri trata os obstáculos como insuperáveis.
Alguns conservadores ainda tentam salvar o pacto, mas até o democrata-cristão alemão Elmar Brok, correligionário da chanceler federal Angela Merkel, já alertou para o perigo de uma "putinização" da Turquia. Ele disse esperar que a reunião agendada entre Erdogan e Putin não se torne um "festival dos autocratas".
Para analistas, a adesão ao bloco deixou de ser um objetivo estratégico em Ancara. No entanto, Pierini acredita que o presidente turco vai cumprir o acordo sobre refugiados – mas desde que ele esteja de alguma forma se beneficiando dele.
O ex-embaixador considera que os inúmeros apelos europeus para que se respeite o Estado de Direito são inúteis. Em primeiro lugar, porque o golpe foi quase bem-sucedido e, por isso, desencadeou uma cadeia de represálias. E, em segundo, "porque o golpe frustrado ofereceu uma oportunidade de ouro para o presidente fortalecer seu poder".
Isso poderia também significar novas eleições – e uma conseguinte maioria de dois terços no Parlamento para adotar uma nova Constituição. "A democracia e a aproximação com o Ocidente podem ser as primeiras vítimas do golpe", afirma Pierini.
Vizinhos se preparam para instabilidade
Enquanto a maioria dos governos europeus se limitou, até agora, a expressar suas preocupações com diferentes intensidades, a Bulgária – vizinha da Turquia – reforçou as patrulhas de fronteira e desencorajou seus cidadãos a viajarem para o país.
As tensões aumentam também na Grécia: os oito oficiais turcos que fugiram após o golpe fracassado foram, por motivos de segurança, transladados para o interior do país, até que haja uma decisão sobre o pedido de asilo.
Na quarta-feira, a notícia de que supostos navios turcos estavam nas proximidades da ilha grega de Simi suscitaram preocupações. E a solução do problema referente à ilha de Chipre – dividida entre uma parte grega e outra turca há mais de 40 anos – que parecia estar tão perto, agora aparenta estar mais distante.
Em suma, Atenas tem receio da volta das tensões das últimas décadas com Ancara, principalmente sobre a questão dos refugiados.