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O cinema é um lugar privilegiado

Oliver Samson / sv18 de novembro de 2002

Cineasta alemão Wim Wenders fala sobre cinema e técnicas digitais.

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O "viajante viciado" Wim WendersFoto: AP

O senhor acabou de aceitar o convite da Escola de Artes de Hamburgo, onde deverá assumir a cadeira de Ciências da Imagem. O que o atraiu nesta nova tarefa?

Eu já trabalhei muito com estudantes, como na função de professor honorário na Escola de Cinema e Televisão de Munique, onde estudei. O convite de Hamburgo me atraiu, porque me oferece a possibilidade de trabalhar no conceito de como se ensina cinema hoje em dia. Ciências da Imagem é um título provisório, escolhido na falta de denominações melhores. Isso eu acho emocionante, principalmente hoje, nessa fase histórica de transição do cinema.

Fase histórica de transição?

A mudança para as técnicas digitais é uma revolução nas mesmas dimensões que o passo do cinema mudo em direção ao falado nos anos 20. Essa transformação imensa, essa mudança de pensamento, que vai acontecer, vejo como uma grande chance para o cinema. O que a partir de então será possível, só se pode imaginar, mesmo que se possa antever uma coisa ou outra.

Hoje já se pode ver alguns filmes, que há alguns anos atrás teriam desaparecido: documentários, os filmes do Dogma, documentários musicais, filmes B – no melhor sentido da palavra – filmes realistas, o cinema de autor, comédias locais. Isso não existia mais há muito tempo. Agora é possível produzir com meios escassos e de forma independente, no melhor sentido. Só estava havendo Blockbuster. Com a mudança, já se percebe, de novo, todo o leque de variedades do cinema. Para cineastas jovens, a digitalização é fantástica: eles não precisam esperar anos a fio para conseguir reunir o dinheiro suficiente para uma produção. Podem simplesmente mandar ver. De forma geral, vejo isso como um passo de sete milhas à frente.

Recentemente, o senhor escreveu um texto condenando a avalanche de imagens digitais. As imagens teriam se tornado, em massa, tão insignificantes, que corre-se o risco de não se ver mais nada dentro em breve.

Condenar não se pode nesse caso, seria como falar mal do tempo nublado. Eles estão simplesmente aí. Mas o cinema mostra-se exatamente como uma exceção nesse não-agüentar-mais-ver-de-tantas-imagens. O cinema é o único lugar, no qual o espectador ainda se deixa levar por uma voz ou por um narrador. A não ser ali, pode-se sempre passar para frente ou voltar às imagens anteriores, trocar de canal ou mesmo desligar. O cinema restou como o único lugar privilegiado, onde se pode contar uma história através de imagens.

O que o senhor está agendando, para quando seu filme sobre o blues estiver nas salas de cinema e o conceito desenvolvido para a cadeira na Escola de Artes estiver escrito?

Vou rodar com Sam Shepard um filme chamado Don't Come Knockin'.

Do que se trata?

A história foi escrita por mim e por Sam. O roteiro ele escreve sozinho. Isso significa, quando eu estiver sentado a seu lado. Caso contrário, ele não escreve nada. Vai ser um drama de família, uma tragicomédia, uma farsa, como já estamos chamando. De uma forma ou de outra, nunca consigo me manter fiel a um gênero: este será uma farsa familiar on the road.

Vai ser de novo um filme no deserto?

Não. No máximo, um filme ermo. Começa no Arizona, passa por Nevada e vai até Montana, onde se passa a maior parte do filme. Essa é a minha paisagem preferida – e quase intocada em termos de filmagem. Estou muito feliz em fazer isso. Gosto de todo o oeste americano, não só das paisagens desérticas do sul, onde fizemos Paris, Texas.

Já que estamos falando dos EUA, os resultados das eleições norte-americanas o assustaram?

O resultado torturante? Eu, na verdade, já esperava. No momento, é muito difícil ir contra essa onda nacionalista iniciada por Bush. Acho também que os democratas têm uma postura muito indefinida, para não dizer covarde frente a isso, mas acredito que eles, muito gradualmente, devem formar uma resistência maior. No momento, todo aquele que fala alguma coisa contra a política de Bush ainda é visto como um traidor da pátria. Tem-se a impressão de que os EUA caminham em direção à uma nova era McCarthy. Quando Reagan assumiu a presidência, eu deixei os EUA. Dessa vez, penso comigo: que coisa, é agora que eu fico mesmo, isso já vai passar de novo.

O senhor parece ter paciência...

Como cineasta, é necessário. Lá em Hollywood, onde vivo, há uma forte oposição liberal e muitas pessoas, que se mostram decididas contra a política de Bush. Acabei de ler uma carta de Sean Penn ao presidente, que, acho, foi publicada pelo Washington Post. Mais radical não é possível criticar a política do país. Mas a maioria dos norte-americanos caminha nessa onda de um patriotismo mal entendido, como se estivessem em transe. O patriotismo latente está sempre ali, mas sob o governo Bush ele transbordou em um nacionalismo provinciano, medíocre. Que eles se isolam com isso, eles próprios já percebem, basta viajarem pela Europa. Mas agora eles quase não viajam, de medo. Ficam em casa sendo cozidos e abafados em sua própria desinformação e arrogância.

Há outras coisas, com exceção da língua, que o senhor sente falta quando está nos EUA?

Eu sinto falta de muitas coisas, quando fico por muito tempo em algum lugar. Viajar não tem apenas a ver com a saudade, mas é também um vício. Eu sou um viajante viciado. Quando estou aqui, sinto falta de Los Angeles, se estou lá, tenho saudades de Berlim – inclusive do tempo. Não demora muito para sentir falta das estações do ano. Comprei há pouco uma antena parabólica em Los Angeles, única e exclusivamente para assistir o futebol alemão, embora, é óbvio, a diferença de fuso horário atrapalhe: durante a Copa do Mundo foi terrível – tive que acordar às três e meia da manhã.

Na Alemanha, vê-se em Franka Potente (Lola, Corre, Lola) uma futura estrela de Hollywood. O senhor acredita nisso também?

Um filme não é suficiente, mas é ótimo que ela tenha tentado pela primeira vez. Franka é também consciente de suas qualidades o suficiente para ir adiante. Eu, no entanto, não estou bem certo se atuar em inglês é o canal certo. Acho que em alemão ela passa uma imagem mais viva. Poucos atores conseguem passar a mesma coisa de si em uma língua estrangeira. Acho Franka melhor quando ela fala alemão. Os americanos observam com bastante atenção o que acontece no cinema alemão. Lola, Corre, Lola teve um bom sucesso, Buena Vista Social Club, agora Martha. Os americanos percebem que na Alemanha há coisas novas acontecendo.

O chanceler federal alemão, Gerhard Schröder, anunciou há pouco que seu governo iria procurar, cada vez mais, o diálogo com artistas e intelectuais. Foi pedida sua opinião?

Até agora não, mas hoje ainda não ouvi minha caixa postal. Espero que isso não fique só na conversa. Acho realmente que no fim dos anos 90 muitas pessoas se desinteressaram e afastaram-se da política. É realmente um caso de urgência, que "intelectuais" e pessoas jovens se engajem mais e se manifestem por e contra as coisas.

Por e contra o que o senhor se manifestaria?

Aí nem sei por onde começaria. Joschka Fischer faz um bom papel, mas na questão do Oriente Médio eu gostaria de ver uma posição européia mais clara em relação às ações reacionárias do governo israelense. Em Israel e na Palestina, a situação torna-se pior a cada dia, a cada semana, a cada mês.

E na política interna?

Acho que acostumou-se à situação de que nesse sistema partidário alemão reina muita corrupção e muitos conchavos. Aí seria necessário ser mais transparente, para que se possa acreditar de novo na integridade do sistema. A política berlinense? Agora o Portão de Brandemburgo foi bloqueado para carros. Acho isso desastroso, pois a coisa foi construída para que pessoas possam atravessá-la. Quando se vê imagens antigas, aí se sabe o que acontecia por lá. E agora o Portão é uma mera atração turística, onde as pessoas só passam para tirar fotografias. Acho realmente triste, uma perda para a cidade. Fora isso, Berlim mostrou, nos últimos anos, muito pouca coragem no que diz respeito às novas construções. E agora ainda esse abominável castelo retrô que deverá ser reconstruído...

Nenhum acaso que o senhor se sinta mais atraído por Hamburgo?

Se eu me sinto em casa em algum lugar desse mundo, então em Berlim. Mas não se quer se sentir sempre em casa. Eu tenho boas relações com Hamburgo, desde que rodei lá O Amigo Americano, com Dennis Hopper, há 25 anos. Uma cidade legal.

O senhor está esperando por alguma pergunta ainda não feita?

Como você não perguntou, também não vou tocar no assunto. Só porque acabamos de falar dele: Dennis Hopper me deu uma vez um bom conselho em relação a entrevistas. "Nunca dê informações sobre o que não te questionam." Uma boa política em relação a perguntas.