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"O compositor é o terceiro autor do filme"

Gerhard Sonnleitner (av)28 de agosto de 2014

Como primeiro músico à frente do júri de um grande festival, Alexandre Desplat inaugura nova era em Veneza. Ele defende que colegas seus como John Williams e Ennio Morricone são também absolutos peritos em cinema.

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Foto: Reuters

O francês Alexandre Desplat tem feito música para cineastas de fama mundial, como Stephen Frears, Ang Lee, Roman Polanski, George Clooney. Entre seus maiores sucessos estão as trilhas sonoras de A Rainha, O discurso do Rei ou O Grande Hotel Budapeste. Como compositor para cinema, ele já recebeu vários prêmios, distinções internacionais e foi indicado seis vezes ao Oscar.

Em 2014, Desplat é o presidente do júri que decidirá para quem vão os cobiçados "Leões" da 71ª Mostra Internacional de Arte Cinematográfica de Veneza. Em entrevista à DW, ele fala sobre o significado dessa indicação inédita.

DW:É a primeira vez que um compositor de cinema preside o júri internacional do Festival de Veneza. O que isso significa para o senhor, pessoalmente?

Alexandre Desplat: Ainda é meio fora do comum para mim. O compositor é, no fundo, o terceiro autor do filme: há o diretor, o roteirista e há o compositor da trilha. Nós detemos até mesmo direitos de execução de uma obra cinematográfica. Mas, olhando em retrospecto, até agora – seja em Veneza, Cannes ou Berlim – nenhum festival havia perguntado a um compositor se ele queria assumir a presidência do júri.

Não se pode dizer que todos esses compositores famosos, como Nino Rota, Maurice Jarre, John Williams ou Ennio Morricone, não tivessem noção de cinema. Eles tinham e têm, sem a menor dúvida. E também tinham um grande conhecimento sobre o cinema. Por isso estou grato e feliz de poder fazer esse trabalho no júri. E espero assim aplainar um caminho para o futuro, de modo que, nos próximos festivais, compositores cinematográficos sejam jurados ou também presidentes de júri.

Como começa o seu trabalho numa produção? O diretor – Roman Polanski, por exemplo – liga para o senhor e lhe conta a história do filme?

Sim, é exatamente assim. Polanski, como George Clooney e Stephen Frears, me telefonou e conversamos longamente. Os cineastas conhecem o meu trabalho e a minha abordagem. Eles sabem que capacidade de empatia eu tenho para com as imagens e a história, e como quero que seja tocada a música no filme. Isso é decisivo: a minha compreensão da dramaturgia total do filme. Esse é o motivo por que eles ligam justamente para mim e perguntam se quero compor a música para o filme deles. E aí nos divertimos à beça.

O senhor começa o seu trabalho lendo o roteiro?

É como com um livro de verdade: você lê, termina de ler, algo completamente diferente acontece, talvez você ainda esteja trabalhando num outro filme. E um dia o filme está pronto e há muito tempo você já começou a trabalhar com as suas imagens mentais.

Quando se lê um roteiro, ele começa a operar imediatamente no cérebro da gente. Às vezes o resultado também só chega no último momento. Foi assim com O discurso do Rei. Quando me mostraram o filme pronto, ele tinha um ritmo diferente, e precisamos mudá-lo. Às vezes o trabalho exige muito tempo, às vezes é rápido. Um compositor de cinema precisa ser um verdadeiro atleta (risos).

Como é o trabalho numa trilha sonora? O senhor pode compor em qualquer lugar, mesmo sem poder ver o filme?

A música está por toda parte. E compor acontece no cérebro, a cabeça trabalha com as suas próprias imagens. Não é como executar música, em que se precisa de um instrumento. A coisa vai se montando, como numa boa concepção: a sonoridade que você tem no ouvido interno, o andamento, as cores orquestrais – se são poucos instrumentos ou uma grande orquestra – tudo isso se combina. Uma melodia cinematográfica começa às vezes em minha cabeça com uma nota, com o andar da música. Quando o filme fica pronto, você precisa experimentar se a coisa combina. Às vezes não combina, e você tem que tentar de novo, de outra forma.

Italien Filmfestspiele Venedig 2014 Jury Alexandre Desplat
Alta concentração: para Desplat, a música nasce na cabeça do compositorFoto: Taili Song-Roth

O senhor compôs música para filmes completamente diversos, como Harry Potter eA Rainha de Stephen Frears. Como isso funciona?

É exatamente como assistir a filmes: não se vê sempre o mesmo tipo. Não se pode sempre assistir dramas ou filmes de ação, fica monótono. Na composição para o cinema é exatamente a mesma coisa. Eu ficaria infeliz de ter sempre que escrever música para dramas ou para comédias. Eu sei que ter variação de gêneros é bom: isso me coloca frequentemente em perigo.

Qual é o seu grau de liberdade ao compor para um filme? O senhor pode simplesmente decidir: para este filme quero música de jazz, para outro, um outro tipo de música?

Não, nunca se tem liberdade total. Cinema é trabalho coletivo; é um trabalho artístico que se realiza com outras pessoas: o roteirista, os atores, os designers de produtos, os figurinistas. É trabalho de equipe, e eu sou apenas uma parte dela. Não sou livre no meu trabalho, mas está perfeitamente bem assim. Não sou um artista autônomo, que pode fazer o que quer. Mas no campo da música de filme, eu posso fazer o que quiser e imaginar. Esse é o ponto de partida da composição para o cinema.