O desafio da economia diante das mudanças climáticas
29 de novembro de 2019Em seu romance de ficção científica de 2012 News From Gardenia (Notícias de Gardênia, em tradução livre), o autor Robert Llewellyn observa um mundo que acaba ficando bem. Os seres humanos vivem harmoniosamente com o ambiente natural ao seu redor. O capitalismo de mão pesada parece ter entrado em colapso, substituído por uma troca local de bens e serviços. As comunidades parecem mais saudáveis e felizes, mas é uma catástrofe global inespecífica na história que forçou a mudança.
O arco narrativo é tal que Greta Thunberg também concordaria com ele. O crescimento econômico é um "conto de fadas" que mata o planeta, disse a jovem ativista em setembro. "Desacelerem por opção agora", pediu ela aos líderes da Cúpula da Ação Climática da ONU, "ou as mudanças climáticas nos forçarão a fazê-lo – talvez mais cedo do que mais tarde".
Sublinhando seu ponto de vista, o movimento Greve pelo Futuro (nome internacional: Fridays For Future) de Thunberg convoca um Dia sem Compras nesta sexta-feira (29/11), em plena Black Friday, uma tradição comercial dos EUA que se segue ao Dia de Ação de Graças e dá a largada para a temporada de compras de Natal.
Para a maioria dos economistas, no entanto, uma solução de baixo ou nenhum crescimento para as mudanças climáticas não é algo a ser levado a sério e certamente não pode ser aplicado em escala global. "O campo da Greta é mais um fenômeno econômico avançado", diz à DW Adam Tooze, professor de história da economia na Universidade de Columbia. "Está no domínio da política razoável para economias avançadas dizer que não precisamos de mais crescimento."
Ele acrescenta, entretanto, que isso não se aplica às economias mais pobres e em desenvolvimento, que enfrentam uma "genuína escolha difícil" entre atender às "necessidades humanas existenciais" – como água potável, saneamento e assistência médica – e buscar a rápida descarbonização necessária para atender às metas do Acordo de Paris sobre o aquecimento global.
"Isso coloca a maior parte do ônus da descarbonização nos países ricos", frisa Tooze. "Neles, o desafio é menor, mas de modo algum é uma questão fácil em termos de tecnologia e política". Economistas como Tooze defendem, ao invés de uma escolha radical por um não crescimento, puxar as alavancas existentes do capitalismo global para alcançar o crescimento sem pegada de carbono.
Uma dessas alavancas são os bancos centrais, que, segundo Tooze, poderiam projetar políticas monetárias que favoreçam soluções climáticas como energias renováveis, tecnologia de baterias e captura de carbono em larga escala, além de tornar menos atraentes os investimentos sujos.
Com a flexibilização quantitativa (QE, na sigla em inglês) de volta à caixa de ferramentas do banco central para estimular as economias estagnadas, Tooze quer que o Banco Central Europeu "se comprometa a comprar tantos títulos verdes quanto puder, sem excluir investidores privados".
"Não há realmente nenhum caso para bancos centrais ou gestores de reservas cambiais estrangeiras ainda continuarem subscrevendo um status quo de combustíveis fósseis, que sabemos que não é sustentável", afirma o especialista.
A ideia causa arrepio a alguns bancos centrais, especialmente ao Bundesbank, o Banco Central alemão, que se opõe à QE de maneira mais ampla e é "muito crítico" à chamada QE verde. "Nossa missão é a estabilidade de preços, e a neutralidade do mercado é fundamental para nossa política monetária", disse o presidente do Bundesbank, Jens Weidmann, no mês passado em Frankfurt.
Capital verde
Em outras palavras, é trabalho dos políticos, não dos bancos centrais, colocar o dedo na balança, despejando trilhões de dólares de capital em prol da desaceleração do aquecimento global.
Outras instituições financeiras são menos nervosas. No início deste mês, o Banco Europeu de Investimento (BEI) anunciou que deixaria de apoiar projetos de combustíveis fósseis até o final de 2021. Isso retiraria de hidrocarbonetos cerca de 2 bilhões de euros em financiamento anual proveniente da União Europeia (EU).
Os analistas de financiamento climático saudaram a decisão do BEI, observando que ainda há muito mais a ser feito. O financiamento climático global total atingiu 612 bilhões de dólares em 2017, um recorde, antes de cair para 546 bilhões de dólares em 2018, de acordo com um relatório anual divulgado neste mês pela Iniciativa de Política Climática (CPI), think tank ambientalista que presta consultoria sobre investimentos verdes.
A entidade calcula que sejam necessários 3,8 trilhões de dólares a cada ano para atingir as metas climáticas de Paris.
"A verba não basta", diz Barbara Buchner, diretora de finanças climáticas da CPI. "Mas reservar apenas alguns pontos percentuais do investimento total para a ação climática nos levaria muito mais longe."
Buchner quer ver uma "transformação econômica total", que, antes de mais nada, significa acabar com o carvão, eletrificar o transporte, além de produzir e distribuir energia renovável suficiente para assegurar que a eletricidade seja livre de carbono. "A tecnologia existe", diz. "Ou pode existir em breve, caso sejam dados incentivos suficientes para pesquisa e desenvolvimento em larga escala."
Revolução Industrial como exemplo
"Esse tipo de transformação já aconteceu anteriormente", afirma Ashoka Mody, economista da Universidade de Princeton. Ele deposita suas esperanças de crescimento econômico climaticamente neutro em parte, e talvez ironicamente, no ponto de virada histórico que iniciou a mudança climática: a Revolução Industrial. Naquela época, como agora, o sistema econômico global mudou fundamentalmente; e então, como agora, a transição produziu vencedores que lucraram e perdedores que precisaram de compensação.
A comparação de Mody, no entanto, vem com uma ressalva: sem uma ameaça iminente, a revolução industrial do século 19 foi se desenvolvendo à medida que a tecnologia e as práticas de negócios evoluíam. A adoção foi mais orgânica.
O rápido aumento da temperatura global, como previsto no relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) de 2018, significa que "não podemos esperar", diz ele. "A intervenção governamental precisa ser muito mais agressiva", alerta.
Embora exista um amplo consenso de que tanto uma taxação séria sobre o carbono quanto uma regulamentação forte são necessárias, Mody defende principalmente a última. "Normas funcionam. Restrições levam à inovação", afirma, citando como exemplo o Clean Water Act (lei da água limpa) de 1972, que forçou a indústria dos EUA a encontrar modos de limitar a poluição da água e continuar lucrativa.
Para Mody, a questão não é se a economia pode crescer, mas como. "Tantas pessoas ainda são desesperadamente pobres", observa. "Em seu nível mais básico, o crescimento econômico é o que permite que as crianças se saiam melhor que seus pais", diz. "Sem crescimento, as pessoas vão perder o incentivo para participar da vida cívica."
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