O destino esquecido dos trabalhadores forçados do nazismo
1 de setembro de 2023Quando sua tia-avó morreu, Hanna S. tinha oito anos – jovem demais para compreender aquilo por que passara a irmã de sua avó. Assim como 13 milhões de outras mulheres, homens e crianças, ela integrara a força de trabalho compulsório na Alemanha sob o regime nacional-socialista. Muitos deles haviam sido abduzidos dos países ocupados para o Império Alemão.
"Fiquei sabendo meio por acaso do destino da minha tia-avó", conta a vivaz professora de longos cabelos castanhos. Natural de Belarus, ela aproveita as férias de verão para participar em Berlim de um seminário tendo como tema os trabalhos forçados na época nazista.
As informações de que dispõe sobre sua antepassada são incipientes, pois "na minha família se falava pouco a respeito", explica a entrevistada, que não quer ter seu nome completo divulgado. "Acho isso uma grande pena. É a lacuna na história da família."
No momento, ela só sabe que sua tia-avó tinha era obrigada a assar pão, mas espera descobrir mais. Também por isso veio para a capital alemã, onde fica o Centro de Documentação sobre Trabalhos Forçados no Regime Nacional-Socialista.
O silêncio da vizinhança
No centro de documentação no sudeste de Berlim, Hanna S. e outros interessados em história frequentam um seminário de dez dias para professores, promovido pela organização pela paz Aktion Sühnezeichen Friedensdienste (ASF). Outros cinco participantes igualmente provêm de Belarus.
"O assunto me toca, mas também é emocionalmente exaustivo", reconhece ela, que planeja mais tarde pesquisar por conta própria nos arquivos do centro. Enquanto fala, a professora de 30 anos contempla as paredes nuas de um barracão, parte de um acampamento em que os trabalhadores forçados eram alojados a partir de 1943, e mantido hoje como memorial autêntico.
A árvore diante da janela já existia na época, assim como as casas de cujas janelas os moradores viam o acampamento, e como de manhã cedo os operários se dirigiam às fábricas circundantes, retornando só à noite.
Não é preciso muita fantasia para imaginar o confinamento, o frio e as indizíveis condições higiênicas no barracão, sobre os quais numerosas testemunhas contemporâneas relatarão mais tarde. Privacidade não existia, nem mesmo no espaço onde ficavam as privadas, no fim do corredor.
Mão de obra forçada "estava por toda parte"
O exemplo da então capital do Império Alemão ilustra bem as enormes dimensões do trabalho forçado no regime nazista. Berlim não era só o centro de poder, mas também locação de grandes estabelecimentos industriais e de armamentos, com sua gigantesca demanda de mão de obra – até porque muitos alemães e alemãs se encontrarem na frente de batalha.
Sozinha, a metrópole às margens do rio Spree explorou o trabalho de cerca de meio milhão de homens, mulheres e até crianças: eles estavam "por toda parte" na capital, confirma o historiador Roland Borchers, que pesquisa no Centro de Documentação sobre Trabalhos Forçados.
Embora hoje em dia quase nada reste na paisagem urbana berlinense que remeta a esse passado, historiadores calculam que havia na cidade cerca de 3 mil alojamentos para os operários forçados: "Em cada canto havia um", confirma Borchers. Além dos acampamentos de barracões, também serviam como alojamento coletivo depósitos, sótãos e residências particulares.
Desses, 2 mil já estão documentados num banco de dados com livre acesso para o público, o qual o pesquisador Borchers alimenta constantemente com novas informações, pois "estamos sempre encontrando novos alojamentos".
A perspectiva das vítimas
Durante o regime nazista qualquer empresa podia requerer trabalhadores forçados – da grande fábrica de armamentos até o padeiro da esquina. "Ele tinha que ir ao Departamento de Trabalho, apresentar sua demanda e convencer da importância de sua empresa", explica Borchers. "Aí lhe era designado um operário forçado."
Depois da Segunda Guerra Mundial, por longo tempo a temática da exploração do trabalho compulsório recebeu pouca atenção. Só em meados dos anos 1980 começou seu processamento, que prossegue até hoje. E alguns aspectos ainda são pouco esclarecidos, frisa o historiador: sabe-se pouco sobretudo sobre as perspectivas e experiências das vítimas.
Hanna S. vivenciou como em muitas famílias se evita falar sobre o assunto, seja por vergonha ou por outros motivos. Para ela, esse é mais um incentivo para se ocupar dos trabalhos forçados durante o nazismo, "para que esse tipo de atrocidade não se repita no futuro".