O dilema das dívidas de Berlim
30 de abril de 2006"Se Berlim fosse uma empresa privada, certamente já estaria falida". A frase foi dita pelo próprio secretário das Finanças da cidade, Thilo Sarrazin. O político social-democrata administra nada menos que 60 bilhões de euros de dívidas da capital alemã. E a tendência deste valor é aumentar ainda mais.
Ao lado de seu correligionário, o prefeito Klaus Wowereit, Sarrazin espera que o Tribunal Constitucional Federal compreenda os apertos financeiros por que passa a cidade no momento e concorde com parte do perdão das dívidas berlinenses. "Não estamos em condições de quitar sozinhos as dívidas e pagar os juros acumulados. Já nos esforçamos ao máximo, fazendo todo o possível. Implantamos uma política de recessão há anos, mas precisamos ainda assim da solidariedade da federação", afirma Wowereit.
Perdão de dívidas? Nein, danke!
A federação, porém, não parece muito apta a querer aceitar os pedidos de Berlim. Mesmo porque muitos dos outros Estados que a compõem são contra qualquer espécie de privilégio da capital.
Segundo o discurso dos opositores, "a culpa é da cidade", que vive esbajando o que não pode: com três universidades, três casas de ópera e muita coisa esperando para ser privatizada.
Sarrazin se defende, afirmando que a cidade já reduziu seus gastos em torno de 11% desde meados da década de 90. Enquanto a média no país de redução foi de meros 3,3%. Além disso, observa o secretário das Finanças, a cidade encolheu drasticamente o número de servidores públicos, que passaram de mais de 200 mil para cerca de 130 mil. E a economia não pára por aí: até 2012, deverá haver uma redução contínua de recursos humanos. Mais do que isso, diz Sarrazin, impossível.
Razões históricas
A esperança do secretário das Finanças é de que os juízes do Tribunal Constitucional reconheçam os esforços da cidade e principalmente levem em conta as raízes de tal miséria financeira, ou seja, a divisão política e econômica da cidade de 1945 até a queda do Muro, em 1989.
Por ocasião do fim da Segunda Guerra, quase todas as empresas alemãs deram as costas a Berlim. E depois da queda do Muro, muitos dos estabelecimentos estatais da ex-Alemanha Oriental, de regime comunista, simplesmente faliram. Por essas e por outras, o principal empregador na cidade continua sendo o Estado. Sem ele, a taxa de desemprego, que gira em torno de 20%, seria ainda maior.
Ida sem volta
Das empresas que um dia haviam deixado a cidade, poucas retornaram depois da queda do Muro. Até mesmo a multinacional Siemens, fundada em Berlim, continuou mantendo depois da reunificação do país sua sede na próspera Munique. Outro caso de prosperidade "às custas da capital" é o de Frankfurt, que só se desenvolveu como centro financeiro depois da Segunda Guerra, quando os bancos do país procuraram uma sede que não a Berlim dividida de então.
Culturalmente única
Um futuro promissor Berlim tem apenas no que diz respeito à cultura e à ciência. Setores em que a cidade é quase hors concours, mesmo em nível internacional. E que, diga-se de passagem, também propiciam a circulação de dinheiro, não podendo ser desprezados do ponto de vista financeiro, defende o advogado e promotor cultural Peter Raue.
"Berlim não tem carvão ou indústria, mas tem cultura. A cidade é o centro da vida intelectual na Alemanha. E, para isso, três universidades não são demais. A prova disso é que essas três universidades estão lotadas de estudantes", justifica Raue.
Ressentimentos antigos
Em outros confins do país, nem todos pensam assim. O jornalista Claudius Seidl, um dos adversários mais veementes da capital, acredita que a cidade vem há anos desperdiçando recursos acumulados a duras penas no resto do país. "Representação, simbolismo político, encenações em grande estilo. O resto da Alemanha iria ficar satisfeito se Berlim se tornasse simplesmente a sede de um bom governo. O resto é secundário", dispara Seidl.
Em tais depoimentos esconde-se uma boa dose de ressentimentos, cultivados durante os anos em que a cidade dividida servia de vitrine do sistema capitalista e recebia a tarefa de provar que este era melhor que o outro lado do Muro. Em todos esses anos, fluíram milhões e mais milhões para os cofres berlinenses. Sem que alguém abrisse a boca. Tempos que, pelo jeito, já se foram.