O direito internacional contempla o separatismo?
10 de outubro de 2017O direito de autodeterminação dos povos é um princípio importante do direito internacional, mas igualmente importante é a proteção da integridade territorial de um Estado.
Na Espanha, o movimento separatista catalão argumenta principalmente com o direito de autodeterminação, enquanto o governo central em Madri usa o segundo.
Pelo direito internacional não existe o direito à secessão – a não ser que os dois lados concordem com essa opção. O que, obviamente, não é o caso na questão da Catalunha.
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Os principais pontos do referendo na Catalunha
Nem sempre a criação de novos países é um problema. Quando tchecos e eslovacos se separaram, em 1992, o afastamento foi de comum acordo. Quando diversos povos africanos declararam suas independências, nos anos 1950 e 1960, os poderes coloniais chegaram a resistir, mas o direito de autodeterminação dos povos valia como princípio fundamental das Nações Unidas.
Mas o especialista em direito internacional Stefan Talmon acha que, no caso da Catalunha, os separatistas não podem se apoiar nesse princípio: "O princípio da autodeterminação de um povo pressupõe que haja um povo que possa invocá-lo. Uma parte de um povo dentro de um Estado nacional, mesmo que ele tenha uma certa identidade, não é um povo no sentido do direito internacional, que possa reivindicar essa autodeterminação", explica.
Na Alemanha, por exemplo, se os habitantes do estado da Baviera decidissem se separar do restante do país, não poderiam aludir ao direito de autodeterminação. Segundo Talmon, o mesmo vale para os albaneses do Kosovo, que declarou independência da Sérvia em 2008, mas cujo status no âmbito do direito internacional permanece uma questão em aberto. A Sérvia continua enxergando o Kosovo como parte de seu território nacional.
Em 2010, o Tribunal Penal Internacional chegou à conclusão de que a declaração de independência do Kosovo não fere os princípios do direito internacional, mas a corte não definiu uma posição sobre o status e confirmou a Resolução n° 1244 da ONU, que garante a soberania e a integridade territorial da República da Iugoslávia, que tem a Sérvia como um dos sucessores legais.
Por outro lado, desde então, mais da metade dos quase 200 países-membros da ONU reconheceram o Kosovo como Estado independente – mas a Espanha não está entre eles até hoje, até porque o governo em Madri teme a abertura de um precedente para a Catalunha e, possivelmente, para outros territórios que buscam a independência no país.
Sem direito à independência
A Escócia é um caso diferente. Sob o ex-premiê David Cameron, o governo britânico não era legalmente obrigado a concordar com um referendo sobre a independência escocesa do Reino Unido. Mesmo assim, permitiu uma consulta popular em 2014 para esclarecer politicamente a questão.
Resultado: uma maioria de 55% (contra 45%) votou pela permanência da Escócia no Reino Unido. Mesmo a decisão pelo Brexit – tomada também após um referendo popular – não mudou praticamente nada na opinião dos escoceses. A questão de uma Escócia independente, portanto, parece resolvida – ao menos por enquanto.
E a Catalunha? Hoje não se pode mais falar em repressão dos catalães ou da cultura catalã, como era o caso nos tempos da ditadura de Francisco Franco, entre os anos 1930 e o final dos anos 1970. A Catalunha possui ampla autonomia. Nesse contexto, Talmon não enxerga uma base legal para o movimento separatista catalão. "Nem no direito constitucional espanhol nem no direito internacional existe um direito à independência da Catalunha", afirma o especialista.
Sabine Riedel, do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança (Stiftung Wissenschaft und Politik), argumenta que os separatistas catalães não podem reivindicar a criação de um Estado próprio com base no direito Constitucional, e a exigência também contraria o direito internacional, já que eles possuem direitos de autonomia.
Se os separatistas conseguissem impor uma secessão, as consequências, segundo Riedel, seriam imprevisíveis: "Se colocarmos em questão tratados acordados entre países, teremos novos conflitos e, possivelmente, voltará a haver guerra na Europa."
Países existentes não querem separatismo
Não apenas o direito internacional, mas também o direito europeu protege a situação atual. O artigo 4º do Tratado da União Europeia diz que os Estados respeitam tanto "as suas respectivas identidades nacionais, traduzidas em suas estruturas políticas e Constitucionais básicas, incluindo a autogestão regional e local", quanto as suas "integridades territoriais". Ou seja: secessões são indesejadas. Além disso, na UE, os países-membros sempre têm a palavra final.
Talmon também faz referência a esse aspecto no âmbito do direito internacional: "O direito internacional é feito pelos países que existem. Por isso, ele é muito resistente a mudanças na área da integridade territorial. Ninguém vai serrar um galho sobre o qual está sentado", argumenta.
Se os países concordassem com cisões "baseadas em percepções subjetivos de identidade" de grupos ou territórios específicos, em pouco tempo não haveria apenas 200, mas 300 ou 400 países no mundo, afirma Talmon.
Já o "ministro do Exterior" catalão, Raül Romeva, diz que a União Europeia "pode evoluir", já que é um "projeto dinâmico e pragmático que se adapta à realidade".
Mas esse não parece ser o caso. O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, já advertiu que "a Catalunha não poderia se tornar membro da UE no dia seguinte ao referendo". O que significa que a Catalunha teria de iniciar um processo de adesão ao bloco para readquirir o euro como moeda e o acesso ao mercado europeu – condições que ela perderia após a separação da Espanha.
No caso de uma candidatura, bastaria que um Estado-membro se posicionasse contra a adesão catalã para impedir que ela se concretizasse. A Espanha certamente seria essa voz contrária, provavelmente sendo imitada por outros países-membros que também temem movimentos separatistas. Tanto no aspecto político quanto no legal, portanto, os separatistas catalães têm poucas chances.