Anne Frank ganha primeira versão alemã no cinema
17 de fevereiro de 2016"Por que os produtores alemães têm sempre que deixar o tema para os americanos?", indagou irritadamente um grande diário alemão em 1959, quando a produção hollywoodiana de O diário de Anne Frank estreou nos cinemas. Para muitos, a versão cinematográfica produzida na época por George Stevens era kitsch demais. Foi preciso mais de meio século para que a filmagem da história da menina judia – nascida em Frankfurt, na Alemanha – chegasse aos cinemas como uma produção alemã.
Na 66ª Berlinale, o Festival de Cinema de Berlim, o filme celebra a sua estreia mundial na Generation, seção do festival dedicada ao público jovem. A película dirigida por Hans Steinbichler chegará aos cinemas no início de março. O filme mostra os acontecimentos de forma convencional, sem grandes ambições artísticas, oferecendo uma obra sólida com boas atuações e certa dose de drama. Um bom filme para ser mostrado em sala de aula.
"O diário de Anne Frank é um dos documentos mais contundentes da história alemã e sempre nos perguntamos por que não havia nenhuma filmagem alemã sobre o tema", afirmaram os produtores M. Walid Nakschbandi e Michael Souvignier antes da première. "Achamos que estava mais que na hora."
No remake da história, Lea van Acken, de 15 anos, assume o papel da garota conhecida mundialmente. Os pais da protagonista, Edith e Otto Frank, são interpretados por Martina Gedeck e Ulrich Noethen. Stella Kunkat faz o papel de Margot, irmã de Anne.
Anne Frank e família
O filme narra de forma quase cronológica a história da família que emigrou de Frankfurt para Amsterdã em 1934. Pouco depois da ocupação da Holanda pela Alemanha de Hitler, os Frank se esconderam no sótão da parte traseira de um edifício na rua Prinsengracht, número 263. Durante mais de dois anos, a família dividiu um pequeno apartamento com quatro outros judeus. Ao fazer 13 anos, Anne Frank recebeu um diário em que passou a anotar tudo que lhe passava pela cabeça.
No novo filme, o diretor Steinbichler e o roteirista Fred Breinersdorfer se ativeram aos acontecimentos relatados no diário, acrescentando novos registros da família após longa pesquisa. Os dois, no entanto, também deram um toque pessoal ao remake. "Para mim, houve duas abordagens decisivas no projeto", afirma Steinbichler. "Primeiramente, a completa subjetivação e, em segundo lugar, transformar o diário num discurso."
Medos de uma adolescente
Por trás do diário, estava uma "menina esperta, mas bem normal", afirma o diretor. Steinbichler diz que lhe foi importante "tirar Anne de um possível trono sacrossanto". E isso a película conseguiu. A obra descreve exaustivamente os pensamentos de uma jovem, coloca a adolescência e o comportamento durante a puberdade no centro das atenções. Assim, a vida na clandestinidade não é reduzida ao aspecto de uma situação ameaçadora, devido á perseguição nazista.
O filme consegue aproximar o expectador das ideias da adolescente de 15 anos. "Anne não é sobretudo uma vítima do nazismo, mas em primeira linha uma garota vivaz, com esperanças e sentimentos", completam os produtores. "Roubaram de Anne Frank uma vida completamente normal", diz Steinbichler.
E a segunda abordagem bem pessoal do diretor, a transformação da escrita em discurso? A importância disso se vê principalmente no início da película: "Eu sugeri os chamados 'speaches', as falas de Anne diretamente para a câmera", afirma o cineasta. "Com isso, quero perguntar: Quem é ela?" No começo do filme se vê, portanto, a atriz Lea van Acken se dirigindo ao espectador.
Uma Anne Frank para o ano de 2016
Grandes temas do passado, adaptações literárias ou documentos de valor histórico, como o diário da adolescente Anne Frank, são refilmadas de tempos em tempos. A vantagem disso está em poder sempre alcançar um novo público. O jovem espectador de hoje pode se interessar por uma filmagem melodramática hollywoodiana de 1959? Provavelmente não. O filme dirigido por Steinbichler tem melhores chances.
Um segundo argumento para essa nova versão pode ser a referência à atualidade. Ainda que O diário de Anne Frank de 2016 respeite estritamente os acontecimentos históricos, o filme deixa espaço para as elucubrações dos espectadores.
"Meu desejo e vontade são que Anne Frank se transforme em alguém contemporâneo, de forma quase despercebida", diz o diretor, ressaltando que é claro que o material ainda é histórico, mas não é preciso encená-lo como um épico tedioso. Steinbichler afirma estar convencido de que "somente um piscar de olhos nos separa do que aconteceu naquela época".
Assim, a primeira produção cinematográfica alemã sobre o famoso diário se encaixa entre os muitos filmes históricos apresentados na 66ª Berlinale, que muitas vezes fazem referência aos nossos tempos.