'História é traiçoeira'
9 de junho de 2009Deutsche Welle: Liam Gillick, o senhor, um inglês, é responsável pelo pavilhão alemão na Bienal Internacional de Arte Contemporânea 2009, em Veneza. Uma situação bastante inusitada, ou não?
Liam Gillick: Montar um pavilhão na Bienal é diferente para cada país, e cada um lida com a coisa de forma diferente. O que gosto na Alemanha é que os curadores têm grande liberdade de decisão. Portanto a seleção do artista não é uma decisão política, mas sim tomada por um perito em arte. Isso significa muita responsabilidade e muita pressão para o curador. No Reino Unido, trata-se antes de uma decisão política. E na França o próprio ministro da Cultura é quem faz a escolha. Na Alemanha, o pavilhão é visto como uma espécie de museu temporário, aberto por alguns meses, a cada dois anos. O curador tem que pensar em cada detalhe e cada possibilidade. Complicado! E muito interessante.
Quão difícil para o senhor foi criar no pavilhão alemão em Veneza uma atmosfera que faça jus à sua arte?
Acho que é a coisa mais difícil que já fiz. Não só pela história do prédio, que foi reformado na década de 1930 pelos nazistas [que acrescentaram colunas monumentais]. Todos os grupos totalitários ou obcecados pelo poder empregam uma espécie de arquitetura sacral, é assim que manipulam as pessoas.
O interior do pavilhão é quase como uma igreja. Isso torna tão difícil encontrar o modo de trabalhar – em especial para alguém como eu, que não lida tanto com imagística iconográfica ou com ideias sacras. Eu quis deixar o edifício despojado, e não esconder nada. As janelas ficam abertas, a luz incide no ambiente, as pessoas podem entrar e sair à vontade. Ao mesmo tempo, eu também queria ignorar o prédio. Foi muito difícil e um desafio enorme.
O que nos espera no pavilhão alemão?
Era muito importante para mim que as portas ficassem escancaradas. A fachada do pavilhão devia ficar aberta e limpa, nada devia cobri-lo, ele tinha que voltar a poder ser visto de verdade. Ao entrar, vê-se primeiro uma espécie de anteparo visual, como os que se usam em lanchonetes, para afastar moscas: tiras de plástico colorido, através das quais o visitante se movimenta.
Aí se chega num ambiente que parece uma cozinha muito simples, de madeira, entre Ikea [cadeia internacional de móveis pré-fabricados] e algo mais profundo, mais fundamental, mais moderno. Uma espécie de modernidade alternativa, não a que se ocupa de grandes simbolismos ou ideologias universais, mas sim a outra, que, de certo modo, leva à cozinha contemporânea.
Além disso, sobre um dos armários, vê-se um gato que conta uma história. Pode-se, portanto, estar na cozinha e escutar o gato falando sobre ideias, possibilidades, a tensão entre o amor e a compreensão intelectual, sobre mal-entendidos e desejos. Ele tem minha voz – eu sou o gato. O gato é uma criatura infiel, que pode ter vários donos. E uma figura que, de certo modo, já viu de tudo. Eu queria uma criatura que é infiel, mas ao mesmo tempo pede afeição. Ele representa, de certa maneira, a figura onisciente da História.
A cada edição do festival, debate-se em Veneza sobre o Leão de Ouro, concedido ao melhor pavilhão. Isso suscita muita rivalidade entre os diferentes países representados em Veneza. Essa premiação serve para alguma coisa?
Não dou grande valor à premiação dos pavilhões nacionais. Seria mais produtivo voltar o olhar para os artistas mais jovens ou mais velhos. Acho que os pavilhões já recebem muita atenção, de qualquer forma. Eu utilizaria o prêmio para incentivar os menos conhecidos. Os artistas, eles mesmos, já se conhecem bem entre si, pelo menos as obras dos colegas. Aqui quase não há rivalidade.
Quão importante é para o senhor estabelecer, no pavilhão alemão, um diálogo entre artistas, ou também entre os diferentes pavilhões?
É muito importante. No fundo é um dos principais motivos para estar aqui. Por isso, contratamos uma equipe bem jovem de artistas e historiadores da arte para trabalhar aqui nos próximos meses. A ideia é começarem um diálogo que influenciará fortemente sua visão das coisas. Para mim é muito importante conversar com os colegas aqui, mesmo com aqueles com quem nem sempre concordo. Muitos pensam que Veneza é, acima de tudo, autoincensamento, mas aqui também há numerosos momentos de tensão e de contradições.
Liam Gillick (1964) é artista plástico, designer, crítico e autor. Suas instalações ocupam salas inteiras, e se baseiam em concepções minimalistas. Elementos frequentes são letras, estantes e divisórias coloridas, utilizando acrílico e trilhos de alumínio. Ele tem publicado ensaios, críticas e textos de ficção. Em 2002, foi indicado para o Prêmio Turner. Sua obra exposta no pavilhão alemão da 53ª Bienal de Veneza se intitula O futuro sempre se comporta de modo diferente.
Autor: Breandáin O'Shea
Revisão: Roselaine Wandscheer