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O idioma alemão e suas armadilhas

Neusa Soliz21 de junho de 2016

"Aponte as orelhas" para que as expressões idiomáticas do alemão não "enrolem você no dedo". Mas "tenha a testa" de ler este texto até o fim e, ao comprar um dicionário, lembre-se das recomendações sobre o gato.

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Gato numa caixa de papelão
Cuidado para não "comprar um gato no saco"Foto: picture-alliance/dpa/G.Nicolas

Todo idioma tem suas expressões idiomáticas, que o estudante estrangeiro só vai aprendendo com a prática, a vivência, a leitura e o uso da língua. Este último pode incluir situações engraçadas, de perplexidade ou até ridículas, principalmente para quem conhece as palavras, mas mesmo assim não sabe do que se está falando. Se isso acontecer com você, pode ter a certeza de que está diante de uma das muitas expressões idiomáticas do alemão, um dos pesadelos dos tradutores.

Se um amigo alemão disser que você não pode "comprar um gato no saco" – die Katze im Sack kaufen –, por exemplo, ele está recomendando que você primeiro veja a coisa, examine, antes de comprar, ou que não se meta em algo de que você não tem a mínima ideia. Em matéria de negócios, é bom tomar cuidado para que ninguém "enrole você no dedo" – um den Finger wickeln – pois, mais que enrolando, ele estará manobrando você a seu bel-prazer como marionete, ou fazendo-o de gato e sapato.

Mãos cheias de dedos e pés errados

Entre os seus conhecidos, certamente haverá quem "tenha seus dedos em toda parte" – die Finger überall haben –, o que significa estar metido em tudo, ter muitos interesses ou negócios. O que nem sempre funciona, afinal, "não se pode dançar, ao mesmo tempo, em muitos casamentos" – man kann nicht auf mehreren Hochzeiten gleichzeitig tanzen – isto é, não dá para se fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Uma expressão que pode estar ligada à idiossincrasia alemã de fazer tudo organizadamente.

Agora, o que alemão nenhum gosta, é de "ser surpreendido no pé errado" – auf dem falschen Fuss erwischt werden –, ser pego despreparado ou de mau humor, irritado ou aborrecido. Na voz ativa é jemanden auf dem falschen Fuss erwischen. Não agrada nem um pouco também a ideia de alguém "cair com a porta dentro de casa", mit der Tür ins Haus fallen, o que os brasileiros não costumam fazer: entrar na casa de alguém e sem nenhum rodeio ir logo dizendo a que veio e o que tem a dizer. Um atropelo desses não é de bom tom, nem na Alemanha, nem em muitos outros países, por mais que os alemães apreciem pessoas francas, que dizem o que pensam e exprimem isso claramente.

Isso de irritar os demais é coisa fácil de acontecer, principalmente para quem não "põe uma folha diante da boca" – kein Blatt vor den Mund nehmen –, quem diz tudo diretamente, sem papas na língua. Ou ohne Rücksicht auf Verluste – sem consideração a danos e prejuízos, no estilo do "doa a quem doer".

A boca e outras partes do corpo

Aliás, a boca e outras partes do corpo estão presentes em várias expressões. Se há algo que deixa qualquer pessoa furiosa no contato com os demais é quando se diz uma coisa e alguém tenta "virar a palavra na boca" da gente – jemandem das Wort im Munde herumdrehen – ou seja, deturpar o sentido do que foi dito, geralmente em proveito próprio.

Nesses casos, a gente tem que bater o pé e insistir na verdade, afinal, quem gosta de "perder a cara" – das Gesicht verlieren? Isso é o mesmo que perder o respeito, a reputação, a credibilidade. De vez em quando, a gente precisa mesmo é "ter a testa" – die Stirn haben – de protestar. A expressão significa atrever-se, ter coragem ou a ousadia de fazer alguma coisa.

Também tem quem goste de criticar os demais até "não deixar nenhum cabelo bom" na pessoa – kein gutes Haar an jemandem/etwas lassen. Críticas tão destrutivas assim também podem ser feitas em relação a uma coisa ou uma proposta. Diante disso, às vezes a gente preferiria ficar "sem mãe, sem alma, sozinho" – mutterseelenallein, uma expressão coloquial que quer dizer completamente só.

Da lança ao diabo

É, a vida em sociedade não é muito fácil mesmo. Raramente se encontram pessoas com quem se possa "andar pelo grosso e pelo fino" – mit jemandem durch dick und dünn gehen –, isto é, amigos fiéis para bons e maus tempos, pessoas solidárias.

Também não se encontra muito facilmente quem "quebre uma lança por você" – für jemanden eine Lanze brechen, quem apoie e defenda você, ou dê uma mãozinha nos seus interesses. Mais raro ainda é uma ligação profunda do tipo ein Herz und eine Seele, um só coração e alma, o que só acontece com amigos do peito ou com quem, de tanto andar junto, já nos lembra as imagens – convenhamos – menos poéticas do português, da "unha e carne" ou da "corda com a caçamba".

Carro numa curva
Curvas são perigosas, mas se alguém mandar você "arranhar a curva", é bom pegar as chaves do carroFoto: Vollswagen AG

Portanto, nem tudo está perdido e você não precisa "pintar o diabo na parede" – den Teufel an die Wand malen –, ou seja, cair num pessimismo exagerado, contando sempre com a pior das hipóteses. Não pense, por exemplo, que há muita violência na Alemanha, se ouvir alguém dizer que pôs a pistola ou a faca no peito de algum sujeito – jemandem die Pistole / das Messer auf die Brust setzen. E, se fizerem isso com você, não precisa levantar as mãos ao alto, porque você não está sendo assaltado. Estão apenas querendo forçar você a se decidir.

De curvas, orelhas e banquinhos

Indecisão não é com os alemães. Eles detestam fazer uma coisa que todo brasileiro vira e mexe faz, etwas auf die lange Bank schieben, literalmente "empurrar alguma coisa no banco comprido", isto é, deixar para fazer depois, adiar. Se você fizer isso, depois terá que fazer tudo na última hora. Isso é o que quer dizer die Kurve kriegen – "conseguir a curva". Mas se chegar alguém e disser diretamente para você "arranhar a curva" – die Kurve kratzen –, é bom você se mandar, porque é isso mesmo que ele estará dizendo para você fazer, no estilo desaparece, te manda, suma da minha frente!

Portanto, o melhor jeito de aprender uma língua em toda a sua variedade é praticando-a, sempre com um "desconfiômetro" ligado, para ver se não há nenhum sentido oculto das palavras. Ou seja, você precisa "apontar as orelhas" – die Ohren spitzen –, ficar de antenas ligadas.

Pelo sim, pelo não, consulte um bom dicionário. Um de alemão-alemão pode lhe ensinar mais expressões. Mas não comece logo pelas que têm a palavra Zeit (tempo), porque, além de comer muito tempo, isso vai derrubar você do banquinho – das haut dich vom Hocker, de tantas páginas que você terá para ler e aprender. Ou então você poderá ficar sem saliva – mir blieb die Spucke weg, isto é, atônito, ou, na nossa versão deslumbrada, de queixo caído.