O lado obscuro do sucesso da Croácia na Copa
14 de julho de 2018Quem se dispõe a virar campeão do mundo deve ter feito muita coisa certo, ainda que não tudo. No caso da Croácia – que, neste domingo (15/07), enfrentará a França na final da Copa do Mundo de 2018 –, o contrário parece ser verdade.
Não há como compreender o futebol desse país sem falar do Dinamo Zagreb. O time da capital é uma espécie de instituto de aprimoramento futebolístico. Segundo o Centro Internacional de Estudos do Futebol, sediado na Suíça, trata-se do quarto maior "produtor" de craques da Europa. Os quais, note-se bem, vão direto para as primeiras ligas do continente. O clube é uma meca dos olheiros e uma máquina de fazer dinheiro.
Isso faz do Dinamo Zagreb um candidato regular à Liga dos Campeões da Uefa – teoricamente. Na prática, ele consegue no máximo chegar até a fase de grupos, e em geral em último lugar.
O motivo para tal é bastante óbvio: dificilmente o celeiro de craques consegue manter uma equipe por mais de meia temporada. O Dinamo é como a bolsa de valores do futebol europeu: jogadores vêm, jogadores vão.
A "geração de ouro" do fim dos anos 90, com lendas do futebol como Zvonimir Boban, Davor Suker e Alen Boksic, que conseguiu o terceiro lugar na Copa do Mundo, já devia sua classe à tríade "identificar, aperfeiçoar, vender".
Jovens jogadores são desde cedo adotados pelo Dinamo, treinados, valorizados e de preferência "estocados" na seleção nacional. De lá, partem para os grandes endereços do esporte, como Inglaterra, Espanha e Itália, que geram milhões de euros de lucros dentro de poucos anos.
O "poderoso chefão"
Quem comando o esquema são Zdravko Mamic e seu clã familiar. O ex-presidente do Dinamo Zagreb partiu para a Bósnia e Herzegovina antes do início da Copa do Mundo na Rússia. Um tribunal o havia condenado por enriquecimento sem causa, fraude fiscal e outros crimes.
Consta que Mamic, que costumava vender assentos de isopor para o estádio Dinamo, agora embolsa 20% ou mais dos salários de seus protegidos transferidos para o exterior – não uma única vez, mas a cada ano, enquanto o jogador estiver na ativa. Estrelas como Luka Modric, Mario Mandzukic, Dejan Lovren e também o ex-profissional Ivica Olic fariam parte do esquema.
Modric prestou depoimentos contraditórios a esse respeito: primeiro admitiu ter pago comissão a Mamic, porém mais tarde retirou a própria afirmação. Desde então, o capitão da seleção da Croácia está sob suspeita de falso testemunho.
O futebol croata está mergulhado em escândalos. Ficou marcado um jogo da Eurocopa de 2016 em que, a partir da arquibancada, o presidente da Federação Croata de Futebol – Suker, estrela da Copa de 1998 – gritava para o técnico instruções sobre questões táticas e trocas de jogadores.
Os envolvimentos criminosos da federação também dividem o público nos estádios. Durante a partida Croácia x República Tcheca na Eurocopa de 2016, houve pancadaria entre as respectivas torcidas. E também na liga croata o clima é tenso: os times de Split, Rijeka e Osijek se consideram sem chances diante do "modelo Dinamo", e as maracutaias a favor de Zagreb são inegáveis.
Mesmo os torcedores hard-core do Dinamo, os "Bad Blue Boys", boicotam seu próprio clube em protesto contra as manobras criminosas dos cartolas: nos jogos em casa, a enorme arena do Estádio Maksimir em geral fica vazia.
De mercenários a seleção nacional
Apesar de tudo, a nação se une regularmente para torcer por sua seleção. Franjo Tudjman, o primeiro presidente da Croácia independente, reconheceu desde cedo o potencial de visibilidade que os sucessos esportivos representavam para seu jovem Estado, apostando forte na marca futebolística "made in Croatia". A vontade de autoafirmação do novo Estado transformou-se num fator de mobilização poderoso.
No entanto, o futebol croata é movido por outros fatores, já que há muito dinheiro em jogo. É raro haver um campeonato disputado, só muito raramente outras equipes da Hrvatska Nogometna Liga, que engloba apenas 12 clubes, conseguem bater o Dinamo.
Até porque o time da capital engole todo e qualquer jogador mais promissor. A isso se soma o lobismo do Dinamo, que sob Tudjman era praticamente "razão de Estado", e até hoje compromete o funcionamento da liga. Em 1999, o NK Rijeka estava perto do título, mas Tudjman mexeu seus pauzinhos e garantiu que o Dinamo fosse campeão.
Tudo isso torna ainda mais espantosa a chegada dos croatas à final da Copa do Mundo de 2018, na Rússia. O técnico Zlatko Dalic, praticamente desconhecido, transformou a tropa de mercenários numa seleção nacional.
A linguagem corporal dos craques sinaliza que eles querem mais. Dalic levou para a Rússia apenas os jogadores dispostos a dar tudo pela taça. Falta apenas um pequeno passo para o triunfo glorioso.
Caso a Croácia consiga a façanha de vencer a França, ela será o primeiro nanico, fora o Uruguai na década de 30, a conquistar o título – apesar de todo o caos na própria casa.
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