O marco alemão não morreu!
7 de março de 2006Quando Gerhard e Anton entraram no apartamento do irmão Hans, eles mal conseguiam acreditar no que viam: seis baldes repletos de moedas de marco. Hans, que é portador de deficiência mental e não tem consciência das mudanças que ocorreram no sistema monetário alemão, não efetuou a troca do dinheiro e possuía, em casa, até o dia de sua mudança, mais de seis mil euros em moedas.
Os alemães já deveriam ter convertido sua moeda em euros. Contudo, o marco ainda sobrevive. Segundo Uwe Deichert, porta-voz do Banco Central Alemão, existiam aproximadamente 15 bilhões de marcos em circulação no final de 2005, sendo a metade em notas. E boa parte das moedas, talvez um quarto delas, seja composta por moedas comemorativas.
Moedas ou notas, não importa. Fato é que os marcos estão escondidos nos mais diversos lugares: em roupas, caixas, cofrinhos, álbuns de colecionadores, em gavetas ou nos sótãos. E só são descobertos durante mudanças e grandes arrumações. Deichert acrescenta que, por dia, na Alemanha, cerca de duas mil pessoas trocam dinheiro nas filiais do banco, trazendo, em média, 560 marcos de volta à sua origem.
A verdade é que, quatro anos após o fim do marco alemão, o euro ainda não conseguiu conquistar as mentes e os corações de todos os alemães e, por isso, a antiga moeda faz falta e tem sua volta desejada por muitos. É difícil corresponder às expectativas dos alemães, principalmente na hora em que eles têm de receber em dinheiro vivo ou pagar alguma conta, pois o marco continua sendo um mito econômico. Mais difícil ainda é fazê-los pensar sem a moeda. Até hoje, alguns alemães têm de converter os preços de euros para marcos para estimar o valor da mercadoria e saber se está cara ou barata.
Os motivos para a troca tardia
Deichert coleciona uma série de motivos apresentados pelas pessoas que procuram o banco para efetuar a troca. Alguns simplesmente deixaram o dinheiro guardado em casa porque acreditavam que teriam lucro com a valorização da moeda no futuro. Porém, com a falta de dinheiro, a necessidade obrigou alguns a trocar os marcos que estavam em casa parados. Por isso, até mesmo a coleção de moedas teve de ser sacrificada. Outros se surpreendem com a descoberta repentina de somas consideráveis.
"Por exemplo, um casal quis trocar cerca de 10 mil marcos, que havia sido o presente de casamento deles há mais de onze anos. Com esse dinheiro, eles queriam pagar a sua viagem de lua-de-mel. Só que eles haviam mudado o esconderijo do dinheiro e não lembravam mais onde ele estava. Tiveram de desistir da viagem. Mas 11 anos depois, durante uma mudança, encontraram o dinheiro e puderam, então, fazer a viagem que tanto desejavam", conta Deichert.
Apesar de terem sido retirados de circulação há quatro anos, os marcos ainda podem ser trocados nas agências do Banco Central Alemão, num prazo de até cem anos, sem qualquer cobrança de taxa ou comissão.
A existência paralela do marco no exterior
Em teoria, as mudanças começaram com a ratificação do tratado de Maastricht e a introdução da moeda única. Em maio de 1998, com a definição dos participantes para a zona econômica, entre os quais a Alemanha, a escolha do euro como moeda única foi feita de modo definitivo. Porém, em fatos reais, a despedida do marco alemão está acontecendo em parcelas, longe da esperada mudança automática e imediata planejada para janeiro de 2002.
Deichert acredita que os alemães não sejam os únicos a esconderem os marcos: "Com certeza ainda deve haver alguns marcos no exterior. Na época em que era a moeda oficial, as estimativas eram de que um quarto do capital (em marcos) estivesse no exterior. E certamente ainda deve estar. O quanto não se sabe exatamente e não temos como saber".
Provavelmente o dinheiro está na Europa Oriental, pois ali os marcos eram, na sua época, uma moeda paralela às moedas oficiais. Na região dos Bálcãs, o marco era, surpreendentemente, uma das moedas oficiais. Com a introdução do euro, o Banco Central acreditou que esta existência paralela acabaria. Deichert conta que existiam estimativas de que cerca de 40% das moedas estariam perdidas, algo que acontece sempre que se troca a moeda oficial de um país, sendo a porcentagem verificada após a mudança financeira ocorrida no Reino Unido, na década de 70.
"As moedas ou desaparecem porque foram jogadas em fontes ou porque viraram peças de coleção. Quanto às notas, acreditávamos que elas voltariam quase todas. Mas, de forma alguma, achávamos que demoraria tanto tempo assim", acrescenta Deichert.
De volta ao Banco Central
De qualquer forma, continuam as campanhas de arrecadação e troca dos marcos, como a organizada pela Cruz Vermelha Alemã ou por escolas, nas quais o dinheiro é reunido para fins filantrópicos. Além disso, algumas lojas oferecem aos clientes a possibilidade de se livrar do dinheiro, pagando com as notas e moedas guardadas em casa.
O dinheiro que volta para o banco é destruído e, em parte, reciclado para outros fins. Deichert explica o que acontece: " No caso das notas, elas são imediatamente estilhaçadas, picadas em milhares de pedacinhos. Já com relação às moedas, elas são, primeiramente, deformadas e, depois, derretidas. A matéria-prima é, então, reutilizada e aplicada em outras ligas metálicas".
Depois deste tratamento, os marcos ficam irreconhecíveis. Das moedas de prata é extraída a matéria-prima que pode ser utilizada na fabricação de armações de óculos ou velas de ignição para automóveis. Ou ainda reaproveitada na confecção das moedas de um e dois euros. Isso talvez sirva de consolo para os aficionados da antiga moeda: paga-se com euro, mas, de uma certa forma, continua-se usando o velho e conhecido marco alemão.