O mistério dos navios-fantasmas na costa do Japão
4 de dezembro de 2015A guarda costeira japonesa encontrou nesta semana um corpo decomposto dentro de um barco de madeira à deriva ao largo da ilha de Sado, na província de Niigata. O casco virado do navio já havia sido avistado em meados de novembro, mas somente agora foi resgatado. Redes e outros equipamentos indicam ser um barco de pesca. O morto vestia um suéter preto e um colete salva-vidas laranja.
Da cabeça do cadáver só restaram os ossos cranianos, de forma que uma identificação já não é mais possível. Mas há provas claras de que ele e seu navio provinham da Coreia do Norte. No barco de madeira de 15 metros de comprimento foram encontrados sinais silábicos e números em alfabeto coreano. Numa jaqueta de trabalho dentro de uma mochila estava um crachá com a imagem do ex-ditador Kim Jong-il.
Descobertas enigmáticas
Nos dois últimos meses, a guarda costeira japonesa encontrou um total de 13 navios-fantasmas com 21 corpos a bordo. Em 20 de novembro último, foram descobertos, em um dos três barcos que estavam à deriva próximo à cidade de Wajima, dez corpos cujo grau de decomposição insinuava que essas pessoas haviam morrido há vários meses.
Na fuselagem estava escrito em coreano "Forças Armadas da Coreia do Norte". Além disso, havia pedaços de tecido de uma bandeira norte-coreana. Dois dias mais tarde, outro barco de madeira com sete cadáveres a bordo estava à deriva ao largo da costa de Fukui.
Os navios-fantasmas são um mistério para a polícia japonesa e os especialistas em Coreia do Norte. Trata-se de missões fracassadas de espionagem? Os barcos estavam repletos de refugiados que perderam o controle de navegação a caminho da Coreia do Sul? Ou pescadores saíram de sua rota e morreram de fome em mar aberto?
Alguns especialistas veem uma conexão com uma diretiva do ditador Kim Jong-un. Para melhorar a alimentação da população e conseguir divisas com a exportação de frutos do mar, ele vem investindo no fortalecimento da indústria pesqueira.
Soldados na pesca
Os pescadores que supostamente morreram de fome pertenciam, possivelmente, ao Exército norte-coreano e queriam esconder isso. "Estes barcos de pescam pareciam estar sob controle militar. A pressão por parte de Kim Jong-un de aumentar a quantidade de pesca levou, provavelmente, a que muitos barcos mal preparados saíssem ao mar", disse o especialista em Coreia do Norte japonês Satoru Miyamoto, da Universidade Seigakuin.
O Exército da Coreia do Norte tem de providenciar a sua própria alimentação. Por esse motivo, eles empregam civis como ajudantes.
O jovem Kim fez da produção de alimentos uma prioridade desde a mudança de liderança com a morte de seu pai, Kim Jong-il, no final de 2011. Grande parte da população norte-coreana sofre de desnutrição. Nos últimos 20 anos, o país tem recebido ajuda alimentar das Nações Unidas. Durante visita a uma base de pesca do Exército na costa leste da Coreia do Norte, Kim exigiu recentemente que a instalação fosse modernizada. Dessa forma, soldados e civis poderiam conseguir "bons resultados".
Refugiados fora de rota
A segunda suposição do especialista Saturo Miyamoto é que os norte-coreanos queriam fugir pelo mar e fracassaram. Em setembro de 2011, seis adultos e três crianças conseguiram chegar ao Japão num barco de madeira. Eles foram então levados para a Coreia do Sul.
No passado, ao deixar a Coreia do Sul, os refugiados escolhiam principalmente a rota pela China. Mas sob o regime do jovem Kim, os controles de fronteira foram endurecidos de tal forma que resta somente o mar como rota de fuga.
"Trata-se possivelmente de refugiados", afirma John Nilsson-Wright, especialista em Ásia do think tank americano Instituto de Política Chatham House. Segundo ele, a vida fora da capital Pyongyang é "extremamente difícil".
Contra essa teoria, no entanto, há o fato de que, somente nos dois últimos anos, mais de cem barcos de pesca abandonados foram encontrados em águas costeiras japonesas. Os mortos a bordo dos navios-fantasmas eram todos do sexo masculino.
Por esse motivo, Lee Jong-won, professor de Relações Internacionais na Universidade Waseda, de Tóquio, aponta para os novos estímulos à produção de alimentos na Coreia do Norte, que é cada vez mais forçada a buscar o autoabastecimento.
"Peixe é um dos principais itens de exportação para a China", afirma Lee. "É provável que os estímulos aos pescadores os estejam levando a correr riscos mais elevados."