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O papel das novas mídias nas revoluções do mundo árabe

29 de maio de 2013

As redes sociais desencadearam as revoluções no mundo árabe? A escritora tunisiana Amel Grami é crítica e alerta até mesmo para o potencial extremista das novas mídias.

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Foto: DW/U.Schaeffer

As chamadas "novas mídias" prometem empowerment, ou seja, poder ao indivíduo. Este passa a ter a possibilidade de interagir através de textos, ideias e abordagens, disponibilizados em rede internacional. A pessoa pode não apenas receber esses dados, mas também é capaz de disseminá-los e comunicá-los. Ou seja, ela pode exercer o que, de fato, faz dela um cidadão ou cidadã.

Por isso há quem fale de uma "democratização dos meios de comunicação". Fala-se de perspectivas nunca antes imaginadas, abertas aos cidadãos para que possam participar da construção do novo mundo. Tudo graças à revolução política desencadeada pelas novas mídias.

Ponta de lança da ruptura?

Algumas análises levaram à conclusão de que a juventude árabe não poderia ter se tornado a ponta de lança da ruptura política se não tivesse tido à disposição esses instrumentos novos e eficazes. O escritor libanês Nadim Mansouri aponta com precisão: "O Facebook passou a desfrutar de um status cult no mundo árabe, tendo se disseminado numa velocidade alucinante. Em função de suas possibilidades, o usuário pôde chegar a suas metas, mobilizando as massas para a derrubada do regime opressor", afirma.

Há, contudo, posições diferentes com relação ao papel das novas mídias na constituição de uma consciência democrática e revolucionária. Em oposição aos "entusiastas do Facebook", estão aqueles que destacam a importância das experiências na luta política, feitas por ativistas de várias gerações. Eles acreditam que essas experiências não podem ser simplesmente ignoradas. Entre esses dois polos fica uma gama de opiniões que nos levam, bons dois anos depois da Revolução Árabe, para a pergunta mais urgente: qual o real papel desempenhado pelas novas mídias nas revoluções árabes e até que ponto elas conseguiram criar, de fato, uma consciência democrática?

Nova autoconsciência

Uma coisa é certa: no decorrer dos últimos anos, vivenciamos uma disseminação de blogs políticos, sites, fóruns de internet, programas satélite e páginas no Facebook. Subir vídeos no YouTube ou trocar mensagens curtas, imagens e informações pelo Twitter é algo que já existia antes da Revolução, com cada vez mais adeptos. Sem dúvida isso contribuiu para que muita gente veja nas mídias modernas o protagonista da criação de uma consciência política. Uma consciência que tem sede de liberdade, dignidade e justiça e quer pôr fim ao isolamento e à exploração.

A ideia é que os jovens possam se beneficiar das chamadas mídias digitais ao construírem redes de solidariedade e apoio, usando-as também para publicar textos críticos, comentar os últimos acontecimentos e coordenar ações no espaço público. Esta seria uma forma de recuperar a autoconfiança e sobretudo de se assegurar da possibilidade de influenciar a realidade, até mesmo de transformá-la.

Exagero em torno do Facebook e cia.?

No entanto, há um bom número de pessoas que veem certo exagero na afirmação de que o sucesso da revolução se deu, em primeira linha, graças às mídias. Pois uma consciência política, de acordo com essa vertente de pensamento, não surge da noite para o dia. Se fosse assim, os méritos de gerações inteiras de ativistas estariam sendo ignorados. Além disso, apontam alguns, só valorizar as novas mídias significa minimizar a importância de outras formas de engajamento civil.

Fato é que, olhando de perto, as razões que levam a uma revolução são muito mais heterogêneas e complexas. Se observarmos a composição do movimento de oposição na Tunísia, poderemos reconhecer claramente como a consciência política da população aumentou em função das diversas formas de ação dos ativistas dos direitos civis.

Mesmo que o antigo regime tenha tentado minar essas posições, foram surgindo exemplos no decorrer de muitos anos. E essas posições foram trazendo esperanças para todos aqueles que ansiavam por dias melhores.

Um exemplo: as rebeliões há cinco anos nas minas do sul da Tunísia, durante as quais muitos operários foram mortos, deixaram uma sensação de desconforto em todo o país. Apesar da desarticulação implacável dos protestos pelo regime e do isolamento da região do resto do país.

Papel secundário

Os meios modernos de comunicação eram pouquíssimo presentes nesta região do país dominada pela pobreza. Mesmo assim, os acontecimentos foram disseminados. E o desejo de se opor ao regime opressor era tão forte que levou incontáveis homens e mulheres às ruas. Eles romperam com o muro do medo e pagaram um preço alto pela resistência.

É por isso que devemos reavaliar o papel das novas mídias. Não deveríamos delegar a elas um papel de liderança neste contexto, mas sim categorizá-las como fatores subsequentes. Elas são apenas um entre os diversos meios, mesmo que sejam um meio poderoso: foram as mídias, enfim, que desmascararam o regime de Ben Ali frente a todo o mundo.

Cúmplices do sistema

Por fim, não se falou ainda que as novas mídias não representam sempre um sinal de democracia e liberdade. O movimento "saudita-wahabita", por exemplo [extremamente conservador e fiel a uma vertente dogmática do islã sunita], influenciou canais de televisão e sites. Páginas do Facebook e videoclipes tentam transpor visualmente dogmas religiosos e representam um ataque frontal à democracia. Eles reafirmam a ignorância e o abuso da religião.

Em vez de se pôr a serviço de uma cultura do questionamento, da crítica e do Estado de Direito, muitas mídias modernas de comunicação se tornaram cúmplices de uma mudança retrógrada da sociedade. E no lugar de representarem o estabelecimento de uma cultura de educação em termos de respeito aos direitos humanos, contribuindo para a construção da paz social e de uma mudança fundamental nos sistema social e nas estruturas econômicas, muitas vezes as novas mídias se tornam cúmplices, ao ajudarem a manipular a consciência, no processo de convencimento da juventude para participar de ações da Jihad.

Amel Grami é professora de Igualdade de Direitos e Estudos Interculturais na Universidade tunisiana de Manouba. Ela escreveu diversos livros sobre direitos da mulher e sobre reformas no mundo árabe. (sv)