O primeiro perdão de Trump
27 de agosto de 2017Foi recebida com uma enxurrada de críticas a decisão do presidente americano, Donald Trump, de perdoar o polêmico xerife Joe Arpaio, condenado há menos de um mês por excessos no combate à imigração ilegal no Arizona.
Autointitulado o xerife "mais durão da América", Arpaio, que fez campanha por Trump em 2016, ficou conhecido pela repressão a imigrantes ilegais e por investigar acusações infundadas e apoiadas pelo atual presidente quanto à origem de Barack Obama.
O xerife foi condenado em 31 de julho, por violar intencionalmente uma ordem de 2011 que impedia seus policiais de, sob a justificativa do combate à imigração ilegal, pararem e deterem motoristas pela aparência latino-americana.
"O xerife Joe Arpaio tem 85 anos e, após mais de 50 anos de admirável serviço à nação, merece um perdão presidencial", afirmou Trump na sexta-feira (25/08), justificando o primeiro perdão presidencial de seu mandato.
Não há questionamento sobre a competência de Trump, como presidente, de emitir um perdão. Uma decisão da Suprema Corte de 1925 dá ao chefe de Estado americano a prerrogativa de indultar detentos num processo criminal.
Mas o perdão chamou a atenção por ter sido dado ainda antes da sentença – embora condenado, Arpaio aguardava o pronunciamento da pena. Além disso, não o caso passou pelos procedimentos comuns, que incluem extensa revisão pelo Departamento de Justiça e conselheiros jurídicos da Casa Branca.
"Trump perdoou um terrorista. Joe Arpaio aterrorizou intencionalmente comunidades de imigrantes em todo o Arizona por décadas e traumatizou uma geração inteira de moradores”, disse Alejandra Gomez, codiretora da ONG Living United for Change in Arizona (Lucha).
Perseguição a latinos
O caso criminal de Arpaio teve início quase uma década atrás, quando o Departamento de Justiça iniciou uma investigação contra ele por violar os direitos civis dos latinos por conta das numerosas queixas pelo que acontecia no Arizona.
De acordo com a investigação, os agentes às ordens de Arpaio paravam motoristas apenas pelo aspecto racial, detinham pessoas pela mera suspeita de que não tivessem sem documentos e as entregavam às autoridades migratórias.
Em 2011, a Justiça ordenou que Arpaio abandonasse a estratégia de deter pessoas por razões raciais, mas ele ignorou. Trump mostrou admiração pelo xerife pela linha dura contra a imigração, e Arpaio foi um dos primeiros a apoiar a candidatura presidencial do magnata.
Causou indignação também o fato de o perdão – embora fosse especulado há meses – ter sido dado justamente no momento em que os EUA se confrontam com o velho conflito racial, após a violência na marcha supremacista branca de Charlottesville.
"Após o racismo e o ódio em Charlottesville, nosso país precisa se unir e se curar. Mas esse processo de cura não virá de um presidente que apenas explora divisões e medos”, afirmou senador democrata Patrick Leahy.
Segundo o jornal Washington Post, o caso tinha a atenção do presidente desde o início do mandato. Trump teria solicitado ao procurador-geral e secretário de Justiça, Jeff Sessions, que atuasse para reverter o processo. O jurista, porém, rejeitou fazê-lo.
Mensagem perigosa
As críticas vieram também das fileiras republicanas. O presidente da Câmara dos Representantes, Paul Ryan, disse que "não está de acordo com a decisão" de Trump, uma oposição compartilhada por outros políticos de seu partido, que expressaram rejeição ao perdão presidencial.
"Os funcionários da polícia têm a especial responsabilidade de respeitar os direitos de todos nos EUA. Não devemos deixar que ninguém acredite que essa responsabilidade vá diminuir com este perdão", afirmou o deputado, através de um comunicado.
Para os críticos, o perdão pode mandar a mensagem de que agentes do governo que ignoram determinações judiciais serão tolerados, mesmo tendo violado a Constituição, desde que suas ações estejam em consonância com as visões da Casa Branca.
O senador pelo Arizona Jeff Flake disse no Twitter que seria melhor "que o presidente respeitasse o processo judicial e deixasse que ele seguisse o seu curso", enquanto o senador pelo mesmo estado e também republicano John McCain considerou que o indulto "enfraquece" as alegações de Trump sobre o seu respeito ao Estado de Direito, pois "Arpaio não mostrou arrependimento por suas ações". Outro conhecido republicano, o ex-governador da Flórida Jeb Bush, citou no Twitter o argumento de McCain e considerou que o senador tinha "razão".
RPR/ots