O punk chega à academia
24 de setembro de 2004Aquele que na década de 70 simbolizou rebeldia, anarquia e caos, está hoje sendo discutido em reluzentes mesas de acadêmicos. Afinal, não há de se esquecer, o movimento punk já está completando quase 30 anos. Isso partindo do princípio de que ele nasceu em 1976, quando a jogada de marketing de Malcolm McLaren lançou em Londres a banda Sex Pistols, arrebatando meio mundo.
Negação e criatividade
O punk foi (ou ainda é?) a mistura da "negação de todas as formas de existência" com uma verdadeira "explosão criativa", filosofam os organizadores do Congresso em Kassel, que acontece até o próximo domingo (26). São três dias e quatro noites na pacata cidade alemã, para provar que o punk não morreu. E que tem ativos e aplicados discípulos. Seja nas artes plásticas, no cinema, na música. Ou mesmo nas institucionalizadas universidades.
Nos anos 80, já surgia em todo o mundo uma série de publicações sobre o assunto, que iam de biografias a tentativas de reflexão sobre tudo o que girava em torno do movimento. Diante desse "histórico acadêmico", os organizadores do congresso não vacilaram: "Tivemos a idéia de reunir pessoas de todas as regiões para o evento e completamos o programa com uma série de shows".
Testemunho cultural
Convencer o Estado alemão a destinar 140 mil euros para o congresso – que espera receber cerca de dois mil visitantes – foi tarefa relativamente fácil. "No movimento punk, há tantos elementos que contribuíram para a história da cultura dos últimos 30 anos, que não foi problema algum convencer os responsáveis a liberar as verbas", comenta Friederike Tappe-Hornbostel, representante da Fundação Cultural estatal que financia o evento.
Um dos principais propósitos do Congresso Punk 2004 é iluminar os diferentes destinos do gênero pelo planeta, dando ênfase às linhagens desenvolvidas no Leste Europeu antes da queda do Muro de Berlim. Se do outro lado da Cortina de Ferro o punk aliou-se à arte e obteve a conotação de "guerra declarada ao Estado", em cidades da Europa Ocidental e Meridional ele acompanhou a tomada dos squatters (casas ocupadas).
Mercadoria no supermercado de estilos?
Com depoimentos colhidos durante o congresso pretende-se esboçar, através da "história oral", um panorama dos diferentes rostos do punk nas últimas décadas. Pesquisadores e artistas passarão dias e noites discutindo sobre o significado político do movimento, seu caráter subversivo, sua aliança com a subcultura jovem e urbana e, last but not least, com o mainstream comercial.
Tudo isso para tentar detectar se os protestos de então deixaram algum resquício de autenticidade para as futuras gerações ou se o punk se tornou apenas mais um artigo de consumo no supermercado de estilos do novo milênio.
Convidado polêmico
Entre os convidados das palestras e simpósios vem à Alemanha ninguém menos que o próprio Malcolm McLaren, o ex-empresário do Sex Pistols, que na década de 80 foi obrigado pela Justiça a pagar gordas indenizações aos ex-integrantes ainda vivos da banda. Em relação à presença polêmica de McLaren, surge um descompasso básico entre os que cultuam a herança punk: "Se para uns ele foi o grito primordial do movimento musical, para outros ele não passou de um marqueteiro cínico", analisam os organizadores do congresso.
Buscar abrigo nas estruturas formais acadêmicas, por ironia do destino, parece ter sido a maneira encontrada para preservar a história do punk. Uma história, diga-se de passagem, consideravelmente atribulada e não isenta de tragédias, como a morte a facadas em 1978 de Nancy Spungen, namorada do ícone Sid Vicious. Ser objeto de estudos de pesquisadores "tradicionais": um fim consideravelmente suave para esse trintão rebelde. Aliás, que fim? Quem disse que o punk chegou ao fim?