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O que acontece quando um vice rompe com o presidente?

Marina Estarque, de São Paulo11 de dezembro de 2015

Carta de Temer tornou público antagonismo entre maiores líderes do país, algo poucas vezes visto na história brasileira. Entenda as consequências que a crise na cúpula do governo pode ter.

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Dilma Roussef ao lado de Michel Temer: tensão foi poucas vezes vista entre um presidente e um vice do BrasilFoto: Reuters/B. Domingos

Apesar das afirmações de que vão manter uma relação pessoal e institucional “fértil” e “profícua”, há uma clara tensão entre Dilma Rousseff e Michel Temer, como poucas vezes foi verificada entre um presidente e um vice do Brasil.

A carta enviada por Temer na segunda-feira (07/12) gerou um mal-estar em uma relação que já mostrava sinais de desgaste. Na carta, considerada por muitos como um rompimento, Temer reclama da “desconfiança” de Dilma e diz que foi apenas um “vice-decorativo”.

Apesar de incomum, já que os presidentes e vice-presidentes costumam ser de partidos aliados em um governo de coalizão, não há nenhum impedimento de Temer se declarar oficialmente rompido com o governo. Ou seja, ele pode permanecer no cargo, mesmo como oposição.

Ainda que a relação fique insustentável, uma renúncia é tida como algo improvável, tanto para Temer, quanto para vices em geral. Luiz Antônio Dias, professor da PUC-SP e especialista em História Política do Brasil, lembra que nunca houve um caso de vice que tenha renunciado ao cargo no país.

No máximo, na época da crise de 1954, após o atentado contra o opositor do governo Carlos Lacerda, o vice Café Filho teria proposto uma renúncia conjunta com o presidente, Getúlio Vargas, que recusou.

Muitos historiadores apontam que, nesse caso, o vice foi coadjuvante da conspiração que culminou com o suicídio de Vargas – Café Filho assumiu em seguida o mandato.

“Café Filho não rompe oficialmente, mas, logo depois do atentado, aparentemente lava as mãos em relação ao governo. E ele dava uma base política forte ao Vargas. Um pouco como vemos hoje entre Temer e Dilma”, afirma Dias.

Vice pode ser substituído?

De acordo com juristas, mesmo na improvável situação de que um vice saia do cargo ou seja obrigado a isso por um processo legal, ele não será substituído. Como foi eleito pelo voto popular, na chapa presidencial, o cargo fica vago.

Entretanto, em caso de a Presidência também estar vacante, a Constituição prevê uma ordem de sucessão. Primeiro, assume o presidente da Câmara, depois o presidente do Senado e, por fim, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF).

Isso ocorreria, por exemplo, se a chapa de Dilma e Temer fosse condenada pelo Tribunal Superior Eleitoral por uso de recursos ilícitos na campanha de 2014 (o PSDB ingressou com a ação nesse sentido no TSE, que ainda está em julgamento).

Brasilianische Präsidentin Rousseff mit Vizepräsident Temer
Presidente e vice na posse: uma renúncia é tida como algo impensávelFoto: AFP/Getty Images/E. Sa

Com isso, ambos perderiam seus mandatos, e o presidente da Câmara assumiria provisoriamente, convocando novas eleições. Se a cassação ocorresse depois de 2017, a eleição seria indireta – o Congresso indicaria dois parlamentares para os postos. Também há casos em que a Justiça Eleitoral autoriza a transmissão do cargo para o segundo colocado do pleito.

Impeachment de vice

O vice-presidente também pode sofrer impeachment de forma isolada, por crime de responsabilidade.

"Ele não precisa estar no exercício da Presidência para cometer crime desse tipo. Isso porque a Constituição estabelece que o vice tem a função de auxiliar o presidente", afirma Jorge Radi, professor de Direito Constitucional da PUC-SP.

Segundo o advogado e professor da FGV, Rubens Glezer, caso um pedido de impeachment do Temer fosse instaurado, o processo seria diverso e separado do que foi aberto para Dilma.

"A não ser que estivesse relacionado a uma ação que ambos tomaram conjuntamente. Contudo, considerando o contexto político, seria muito difícil de imaginar que um pedido de responsabilidade contra Temer fosse recebido", explica.

Outra forma de um vice sair do cargo, assim como um presidente, é se ele for condenado por um crime comum. Por ter foro privilegiado, seria julgado pelo STF. Por fim, há também a possibilidade de ele ser condenado em ação de improbidade administrativa, que é julgada na Justiça comum.

"Mas o procurador-geral da República ponderaria muito antes de tomar uma medida séria como essa, porque não é como o impeachment, que é rápido. Uma ação de improbidade administrativa leva anos, e isso teria um impacto brutal no país. Seria muito ruim em termos de governabilidade. Então é muito pouco provável", diz Radi.

Vice de oposição

Outro caso famoso de antagonismo entre vice e presidente aconteceu nos anos 1960. Naquela época, de acordo com a legislação eleitoral vigente, o vice e o presidente eram eleitos separadamente. Na ocasião, Jânio Quadros foi eleito presidente, com o apoio da UDN, tendo como vice o candidato da oposição João Goulart, do PTB.

"Eram de partidos políticos opostos. Quando o Jânio renunciou, a Presidência ficou em uma situação muito delicada, porque Goulart não tinha o apoio da UDN, que tinha quase metade do Congresso. Criou um clima de Fla-Flu, e acabou dando no golpe militar", aponta Dias.

Além de situações como essa, de racha entre os dois mandatários, também houve casos em que o partido do vice rompeu com o governo. Isso aconteceu durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, mas seu vice, Marco Maciel (PFL), continuou no cargo mesmo assim.