O que Delcídio denunciou à Lava Jato?
15 de março de 2016O Supremo Tribunal Federal (STF) homologou, nesta terça-feira (15/03), o acordo de delação premiada do senador Delcídio do Amaral, oficializando, assim, os depoimentos prestados pelo político petista à força-tarefa da Operação Lava Jato.
As declarações, que causaram um terremoto político em Brasília quando adiantadas pela revista IstoÉ no início do mês, citam importantes nomes da política petista e também da oposição. Entre eles, a presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Lula e o senador Aécio Neves.
Além do conteúdo dos depoimentos, prestados entre os dias 11 e 14 de fevereiro, o documento revela que o senador terá que devolver 1,5 milhão de reais aos cofres públicos por seu envolvimento no esquema de corrupção da Petrobras.
Confira abaixo alguns trechos da delação:
Dilma e a Lava Jato
Em seus depoimentos, Delcídio afirmou que Dilma Rousseff tentou "alterar o rumo da Operação Lava Jato" a fim de salvar da prisão alguns empreiteiros investigados pela Polícia Federal. As três tentativas, porém, foram fracassadas, diz a delação.
"É indiscutível e inegável a movimentação sistemática do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da própria presidenta Dilma Rousseff no sentido de tentar promover a soltura de réus presos no curso da referida operação", afirma o documento.
Segundo Delcídio, a presidente nomeou o ministro Marcelo Navarro para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) com o intuito de evitar a punição dos executivos Marcelo Odebrecht, da empreiteira Odebrecht, e Otávio Marques de Azevedo, da Andrade Gutierrez.
"Dilma solicitou que Delcídio conversasse com o desembargador Marcelo Navarro, a fim de que ele confirmasse o compromisso de soltura de Marcelo e Otávio", diz o documento.
Antes disso, Dilma tentou um acordo com o ministro Ricardo Lewandowski, presidente do STF, e com o presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Nelson Schaefer – ambos sem sucesso, segundo a delação.
Dilma e Pasadena
A presidente também foi citada por Delcídio a respeito da compra superfaturada da refinaria em Pasadena, nos Estados Unidos, em 2006, que levantou muitas contradições nos anos seguintes.
À época como presidente do Conselho de Administração da Petrobras, Dilma "tinha pleno conhecimento de todo o processo de aquisição da Refinaria de Pasadena e de tudo que esse encerrava", diz a delação.
O senador afirmou ainda que conhece Dilma há mais de 10 anos, e que "sabe que a atual presidente da República é detalhista e centralizadora". "Delcídio esclarece que a aquisição de Pasadena foi feita com o conhecimento de todos. Sem exceção", concluiu.
Lula e Bumlai
Segundo a delação, Delcídio contou que Lula mandou comprar o silêncio do ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró, investigado e condenado pela Lava Jato.
O ex-presidente "pediu expressamente" ao senador que ajudasse o pecuarista José Carlos Bumlai, que por sua vez estaria implicado nas delações de Cerveró e de Fernando Baiano. "No caso, Delcídio intermediaria o pagamento de valores à família de Cerveró com recursos fornecidos por Bumlai", diz o documento.
Em conversa com Lula, Delcídio falou que, com Bumlai, "seria difícil falar, mas que conversaria com o filho, Maurício Bumlai, com quem mantinha uma boa relação".
A primeira remessa foi de 50 mil reais, entregue a Delcídio pelo filho de Bumlai, e depois repassada em mãos a Edson Ribeiro, advogado de Cerveró. "O total recebido pela família de Nestor foi de 250 mil reais", revela a delação.
Sobre José Carlos Bumlai, Delcídio afirmou que o pecuarista "goza de total intimidade com Lula, representado, de certa maneira, o papel de consigliere da família". Ele disse ainda ter "conhecimento de que Bumlai sempre prestou grandes serviços ao ex-presidente".
O empresário foi preso pela Lava Jato sob suspeita de envolvimento com desvios na compra de uma sonda pela Petrobras. Na delação, Delcídio afirmou que o valor desviado não foi usado apenas para quitar uma dívida de Bumlai com o Banco Schahin, como acreditavam os investigadores, mas também para pagar dívidas da campanha de Lula em 2006.
Lula e Marcos Valério
Delcídio também confessou que mediou uma promessa de Paulo Okamoto, atual presidente do Instituto Lula, de repassar 220 milhões de reais ao empresário Marcos Valério em troca de silêncio nas investigações do mensalão, há dez anos.
Segundo o senador, em 14 de fevereiro de 2016, houve uma reunião em Brasília com Valério e seu ex-advogado, Rogério Tolentino, para tratar do valor. Nos dois dias seguintes, a fim de discutir o assunto, Delcídio teria se encontrado com Okamoto e o então presidente Lula.
Nessa reunião, o senador disse "expressamente" ao líder de governo, segundo a delação: "Acabei de sair do gabinete daquele que o senhor enviou a Belo Horizonte [Okamoto]. Corra, presidente, senão as coisas ficarão piores do que já estão."
Delcídio disse que Valério recebeu o pagamento, mas não os 220 milhões de reais integrais que foram prometidos. "De todo modo, a história mostrou a contrapartida: Marcos Valério silenciou", afirma o acordo de delação. O empresário foi condenado em 2012, considerado o operador do esquema do mensalão.
Mercadante
Delcídio contou ainda que o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, tentou barrar sua delação em troca de alguns favores. Como prova, o senador entregou à Procuradoria Geral da República (PGR) gravações de conversas entre seu assessor, Eduardo Marzagão, e o ministro, mantidas em duas reuniões em dezembro, depois da prisão de Delcídio.
Segundo a delação, Mercadante disse a Marzagão para o senador ter "calma e avaliar muito bem a conduta a tomar, diante da complexidade do momento político". "A mensagem de Aloizio Mercadante, a bem da verdade, era no sentido do depoente (Delcídio) não procurar o Ministério Público Federal."
Após ser informado por Marzagão que a família de Delcídio passava por problemas financeiros, principalmente por conta das despesas com advogados, o ministro ofereceu uma ajuda financeira "por meio de uma empresa ligada ao PT".
Segundo o documento, Mercadante também prometeu que intercederia junto aos presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Ricardo Lewandowski, e do Senado, Renan Calheiros, no sentido de favorecer a soltura de Delcídio.
Temer
O nome do vice-presidente Michel Temer foi vinculado a um esquema de aquisição ilícita de etanol, que teria ocorrido há mais de 15 anos na BR Distribuidora. O operador do esquema, segundo Delcídio, era João Augusto Henriques, diretor da empresa entre 1998 e 2000.
Preso na Operação Lava Jato por suspeitas de operar propina para o PMDB, Henriques foi "apadrinhado" por Temer no esquema do etanol, segundo o senador.
"João Augusto Henriques fazia operações, enquanto diretor na BR Distribuidora, para obter recursos a partir da variação do preço de compra do etanol junto às usinas. A forma de obtenção de recursos ilícitos nas operações de compra de etanol consistia na manipulação das margens de preço do produto, entre 1999 e 2000", diz o documento de delação.
Aécio e Furnas
Parlamentares da oposição também foram citados nos depoimentos de Delcídio. Ele disse que teve o conhecimento de que o senador Aécio Neves, do PSDB, recebeu propina de um "grande esquema de corrupção" que ocorria na estatal Furnas, subsidiária da Eletrobras.
"Tal esquema já foi mencionado, 'en passant', anteriormente por Alberto Youssef, tendo se referido à participação de Aécio Neves no esquema. Delcídio do Amaral confirma que esta referência ao senador mineiro tem fundamento", afirma o documento.
"O esquema de Furnas atendia vários interesses espúrios do PP, do PSDB e, depois de 2002, do próprio PT", diz. Segundo Delcídio, o operador era o ex-diretor de engenharia da estatal, Dimas Toledo, que "sempre teve informações relevantes de vários governos estaduais e federais".
O acordo relata ainda uma conversa entre Delcídio e Lula, durante uma viagem a Campinas, em que o presidente indaga ao senador quem é Dimas Toledo. Questionado sobre o porquê da pergunta, Lula responde: "É porque o [José] Janene veio me pedir pela permanência dele, depois o Aécio, e até o PT, que era contra, já virou a favor da permanência dele. Deve estar roubando muito!".
Aécio e a CPMI dos Correios
Há mais de dez anos, Delcídio foi presidente da CPMI dos Correios, que com o tempo passou a investigar o escândalo do mensalão. Segundo ele, o cargo o "colocou em uma posição delicada, sendo instado a atender inúmeros interesses e arcar com diversas consequências".
O senador contou que, à época, os dados fornecidos pelo extinto Banco Rural aos investigadores foram "maquiados", no intuito de apagar informações "comprometedoras" que envolviam políticos. Entre eles, estava o atual senador Aécio Neves.
"Os dados atingiriam em cheio as pessoas de Aécio Neves e Clésio Andrade, governador e vice-governador de Minas Gerais", diz o documento.
Em depoimento, Delcídio contou também que ouviu do ex-deputado José Janene, morto em 2010, que Aécio era beneficiário de uma fundação em Liechtenstein. O senador, porém, não soube dizer qual é a relação desse benefício com a alteração dos dados do Banco Rural.