O que diz a PEC que propõe fim da escala de trabalho 6x1
12 de novembro de 2024Muito debatida nas redes sociais nos últimos dias, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pretende acabar com a jornada de trabalho 6x1 no Brasil alcançou nesta terça-feira (12/11) o endosso de 134 dos 171 parlamentares necessários para que comece a tramitar na Câmara dos Deputados.
O texto apresentado pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP) propõe uma jornada de trabalho reduzida no Brasil, de quatro dias de trabalho e três dias de descanso remunerado. Se aprovada, a norma valeria para todos os trabalhadores do país.
Como funciona hoje
Atualmente, a Constituição Federal define que a jornada de trabalho no Brasil não pode ultrapassar 8 horas diárias e 44 horas semanais. O empregador é obrigado a conceder ao empregado um dia de descanso, preferencialmente aos domingos.
Compensações de horários e redução de jornada são permitidas desde que acordadas em convenções coletivas. Horas que ultrapassem os acordos devem ser pagas em valor 50% superior à remuneração normal.
Já a Consolidação das Leis Trabalhistas, a CLT, estabelece que serviços que abrem aos domingos devem definir um revezamento de escalas de trabalho mensais, garantindo as 24 horas semanais de descanso remunerado. A lei, válida para trabalhadores contratados nesse regime, também limita em duas horas o tempo máximo de trabalho extra por semana para algumas profissões.
Na prática, não há limite máximo de dias trabalhados descrito na lei, mas a distribuição das horas permitidas faz com que o teto seja de seis dias.
A atual regra foi estabelecida após constantes mudanças na legislação. As 44 horas semanais foram definidas já na Constituição de 1988, mas alterações na CLT aconteceram ao longo do tempo. A principal delas foi a reforma trabalhista aprovada em 2017 no governo de Michel Temer, que permitiu que "ocorrendo necessidade imperiosa" seja autorizado um regime de trabalho de até 12 horas diárias independente de acordo ou convenção coletiva. A regra vale até hoje.
O que mudaria
A proposta de Erika Hilton quer reduzir a jornada de 44 horas para 36 horas trabalhadas por semana, distribuída em 8 horas diárias, por, no máximo, 4 dias, "facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho".
Na justificativa, a deputada argumenta que a redução deve vir acompanhada da manutenção salarial e dos mesmos benefícios que os empregados já possuem, como vale refeição e 13º salário. O país teria 360 dias para colocar a regra em vigor após sancionada.
Se obtiver as assinaturas necessárias para que possa tramitar, o texto será encaminhado às comissões e, depois, dependerá do presidente da Câmara, atualmente Arthur Lira (PP-AL), para ser pautado no plenário. Se aprovada, como se trata de uma emenda à Constituição, as regras dela derivadas, como a CLT, precisariam ser alteradas para refletir o novo texto.
A proposta de Hilton foi pautada no Movimento Vida Além do Trabalho, uma petição pública organizada por trabalhadores que pedem novas práticas de trabalho que equilibrem a vida profissional e pessoal. "Trabalhadores saudáveis e satisfeitos são mais produtivos e contribuem para o desenvolvimento sustentável do país", justifica a petição.
Segundo a deputada, a alteração constitucional reflete um movimento global de redução da carga de trabalho em benefício de modelos mais flexíveis. O texto sugere que avanços conquistados pelos trabalhadores brasileiros são limitados quando os empregados são obrigados a trocar o tempo livre por horas extras e alterações no bancos de horas.
Hilton cita, em sua justificativa, entrevista da economista Marilane Teixeira, da Unicamp. Ela defende que a adoção de uma jornada de trabalho sem redução salarial impulsionaria a economia brasileira por meio do aumento do consumo e dos postos de trabalhos. A deputada alega que a mudança na legislação criaria 6 milhões postos de emprego.
"Uma redução legal da jornada de trabalho de 44 para 36 horas semanais que abranja a todos os trabalhadores, pois todos necessitam ter mais tempo para a família, para se qualificar diante da crescente demanda patronal por maior qualificação, para ter uma vida melhor, com menos problemas de saúde e acidentes de trabalho – e mais dignidade", diz a proposta.
Resistência
Tentativas semelhantes de reduzir a carga horária de trabalho já foram engavetadas pelo Congresso em outras ocasiões. Em alguns casos, as propostas eram menos incisivas que a de Hilton, como uma PEC do deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG) parada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara desde 2019. O texto propõe uma transição de dez anos para a redução da jornada para 36 horas.
No Senado, o senador Paulo Paim (PT-RS) defende uma PEC apresentada por ele em 2015 que reduz a carga horária semanal de trabalho a 36 horas, sem prejuízo salarial. O texto estava arquivado até março deste ano, e foi distribuído à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado.
Deputados da oposição criticaram o projeto de Hilton e afirmaram que a medida pode levar ao desemprego. Para Nikolas Ferreira (PL-MG), a medida é "populista" e o texto foi "terrivelmente elaborado". "Muito cuidado com essas medidas populistas, porque, daqui a pouco, você está fazendo escala 0x0, trabalhando 0 dias e ganhando também 0 reais", disse em vídeo publicado nas redes sociais.
O deputado Gilson Marques, do Novo, afirmou em redes sociais que a PEC restringe o livre comércio, diminui a produtividade e prejudica os pequenos negócios.
Experiência
No Brasil, o modelo foi testado por seis meses pela iniciativa 4 Day Week Brazil em parceria com a Fundação Getulio Vargas. Dos trabalhadores de 19 empresas que finalizaram o programa, mais da metade disse que melhorou sua capacidade de executar projetos e cumprir prazos, 72,8% reduziram a exaustão por causa do trabalho e 90% disseram ter notado maior colaboração entre os funcionários.
Como a DW mostrou, a semana de trabalho de quatro dias também foi testada em programas-piloto da mesma iniciativa no Reino Unido, na África do Sul, na Austrália, na Irlanda e nos Estados Unidos, por exemplo, com participação de mais de 500 corporações.
No Reino Unido, o experimento com 2.900 empregados dos setores de finanças, TI, construção, comércio online, cinema de animação, marketing e lanchonetes registrou uma redução de cerca de dois terços das licenças por motivos de saúde, e 40% dos empregados se declararam menos estressados.
Além disso, caiu 57% o número de demissões voluntárias. Um incremento médio do faturamento em 1,4% também motivou 56 das 61 firmas participantes a quererem manter a jornada de quatro dias, mesmo após o fim da fase de testes.
Na Islândia, cerca de 86% dos trabalhadores têm direito a uma semana de quatro dias. Na Alemanha, os testes são feitos principalmente em pequenas startups.
Alguns desses resultados são questionados. O especialista em mercado de trabalho Enzo Weber critica os resultados do experimento. O pesquisador da Universidade de Regensburg e do Instituto para Pesquisa sobre Mercado de Trabalho e Ocupacional entende que empresas que participam desse tipo de estudo já têm postura favorável à semana de quatro dias, e ressalta que o modelo não seria aplicável a todos os setores.