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PolíticaCazaquistão

O que está por trás da crise no Cazaquistão

Roman Goncharenko
6 de janeiro de 2022

Alta no preço do gás foi estopim para protestos que levaram à renúncia do governo num dos principais aliados da Rússia na região. Agora o Estado, antes visto como estável, parece prestes a desmoronar.

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Carros destruídos em protestos em Almaty, no Cazaquistão
Em Almaty, carros foram incendiados durante os protestosFoto: Mariya Gordeyeva/REUTERS

Nada indicava o surgimento de uma crise profunda no Cazaquistão, mas subitamente a ex-república soviética da Ásia Central se tornou palco de protestos violentos. Dezenas de pessoas foram mortas na repressão aos protestos, e a reputação do país como uma nação pacífica e apenas moderadamente autocrática sofreu um golpe.

Tudo começou no domingo passado (02/01) e evoluiu muito rapidamente. Várias centenas de pessoas saíram para protestar na cidade de Zhanaozen, no oeste do Cazaquistão, contra o aumento do preço do gás liquefeito de petróleo (GLP). Desde então, a onda de protestos se espalhou por todo o país, com milhares aderindo às marchas.

Na quarta-feira, manifestantes também saíram às ruas de Almaty, a antiga capital e cidade mais populosa do país. Um palácio presidencial foi incendiado. Houve relatos de manifestantes invadindo prédios municipais, veículos da polícia incendiados, tiros e até explosões. O aeroporto de Almaty foi tomado, e todos os voos, cancelados.

Numa ação surpreendente, o presidente Kassym-Jomart Tokayev se mostrou compreensivo e prometeu resolver os problemas que estão gerando os distúrbios. O governo interino renunciou, e Tokayev declarou estado de emergência nas regiões mais afetadas do país.

Nesta quinta-feira, o presidente anunciou que vai reintroduzir um limite no preço do gás por ao menos seis meses para "estabilizar a situação socioeconômica".

Embora a situação permaneça obscura, uma coisa é certa: nunca antes o Cazaquistão, há muito considerado uma autocracia estável, se viu envolvido numa crise política de tamanha proporção. Suas repercussões provavelmente serão sentidas em toda região. Afinal, a antiga república soviética da Ásia Central é um aliado estratégico da Rússia e vende a maior parte das suas exportações de petróleo para a China, dois países seus vizinhos.

Prédio incendiado do governo de Almaty
Prédio do governo de Almaty foi incendiado pelos manifestantesFoto: Pavel Mikheyev/REUTERS

Preços em alta e falta de energia

A atual onda de protestos originou-se em Zhanaozen, mesmo local onde, dez anos atrás, eclodiram violentos distúrbios depois que petroleiros entraram em greve.

Segundo o governo, 13 agentes de segurança foram mortos, e os corpos de dois deles foram encontrados decapitados. Segundo a polícia local, "dezenas de terroristas", como as autoridades cazaques descrevem os manifestantes, foram mortos nas primeiras horas da manhã desta quinta quando tentavam atacar sedes do governo. O número exato de fatalidades não foi divulgado.

Se dez anos atrás a agitação começou devido aos baixos salários, desta vez o motivo foi um aumento acentuado no preço do GLP. Usado por muitos cazaques para abastecer seus carros, o gás dobrou de preço na virada do ano. O governo, que já renunciou, justificou a alta com o aumento da demanda e cortes na produção.

Embora esse tenha sido o estopim dos atuais protestos, o Cazaquistão há muito enfrenta uma série de problemas, especialmente no setor de energia. No ano passado, por exemplo, não conseguiu gerar eletricidade suficiente, levando a paralisações de emergência. O país teve que contar com a Rússia para compensar as falhas de energia. Agora, planeja construir sua primeira usina nuclear.

O custo dos alimentos aumentou tão drasticamente que, no outono passado no hemisfério norte, o governo proibiu a exportação de gado e outros animais menores, além de batatas e cenouras.

Fim de três décadas de governo

A crise atual chega num momento em que o Cazaquistão se encontra numa encruzilhada política. Por três décadas, na era pós-soviética, o país foi governado por Nursultan Nazarbayev, hoje com 81 anos. Antes disso, durante a época comunista, ele foi primeiro-ministro da República Socialista Soviética do Cazaquistão e presidente do Partido Comunista do Cazaquistão.

Seu governo autoritário deixou uma marca no país, mas Nazarbayev também conseguiu atrair investimentos ocidentais no setor de petróleo e gás e, assim, gerar certa riqueza para o povo.

Além disso, Nazarbayev também mudou a capital de Almaty, no sul do país, perto do Quirguistão, para a cidade de Astana, que foi rebatizada de Nur-Sultan em sua homenagem.

Ele anunciou a renúncia da presidência em março de 2019, citando problemas de saúde como um dos motivos. Observadores, porém, presumem que ele queria, acima de tudo, assegurar seu legado.

Presidente do Cazaquistão, Kassym-Jomart Tokayev
Presidente cazaque, Kassym-Jomart Tokayev, se mostrou compreensivo com os manifestantesFoto: Alexei Nikolsky/Kremlin/REUTERS

Kassym-Jomart Tokayev tornou-se o novo presidente do país — mas Nazarbayev manteve importantes cargos até recentemente. Como "Jelbasy" (líder da nação), o ex-presidente permaneceu como chefe do poderoso conselho de segurança e do partido governante, o Nur-Otan.

Foi somente em novembro de 2021 que Nazarbayev anunciou que também entregaria a liderança do partido a Tokayev, de 68 anos. Na quarta-feira, Tokayev assumiu o cargo de chefe do Conselho de Segurança, em meios aos protestos.

Moscou monitora a crise

O plano de Nazarbayev para uma transferência gradual de poder está agora sob pressão e será observado de perto por outras ex-repúblicas soviéticas e sobretudo pela Rússia. O Cazaquistão é considerado o segundo aliado mais próximo de Moscou na região da Eurásia, atrás apenas de Belarus.

Após os protestos da oposição em Belarus, em 2020, a Rússia vê agora outro importante aliado estremecer.

Em 2010, Rússia, Belarus e o Cazaquistão fundaram uma união aduaneira, um ambicioso projeto de integração do presidente russo, Vladimir Putin. Isso resultou posteriormente na União Econômica Euroasiática (UEE), em 2015, à qual também pertencem a Armênia e o Quirguistão.

Putin e Nazarbayev mantêm uma relação muito próxima e se encontraram pela última vez em dezembro, na reunião das ex-repúblicas soviéticas, em São Petersburgo. Até agora, Moscou reagiu com cautela à crise no Cazaquistão. O Ministério do Exterior russo pediu diálogo.

Tokayev decretou o estado de emergência em todo o país e pediu o envio de uma força da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), uma aliança militar fundada em 1992 e que reúne a Rússia e mais cinco ex-repúblicas soviéticas: Armênia, Belarus, Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão. A organização anunciou o envio de militares para "estabilizar e normalizar a situação" no território cazaque.