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O que está por trás dos grãos doados pela Rússia à África

Privilege Musvanhiri
24 de março de 2024

Alimentar ou aumentar influência? Enquanto seca devastadora leva milhões à fome, Zimbábue recebe grãos e fertilizantes russos. Ainda que doações sejam bem-vindas, observadores não creem em ajuda puramente humanitária.

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O presidente do Zimbábue, Emmerson Dambudzo Mnangagwa, posa para uma foto ao lado do presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante a cúpula Rússia-África, que ocorreu em São Petersburgo, na Rússia. Ambos vestem terno e gravata e sorriem. O presidente do Zimbábue usa um cachecol com as cores do seu país.
O presidente do Zimbábue, Emmerson Dambudzo Mnangagwa, e da Rússia, Vladimir Putin, durante a cúpula Rússia-África, em São PetersburgoFoto: Mikhail Metzel/AP/picture alliance

Em resposta a uma seca devastadora que assola o Zimbábue, a Rússia doou 25 mil toneladas métricas de trigo e 23 mil toneladas de fertilizantes ao país localizado no sul do continente africano.

A maioria das safras plantadas durante a temporada agrícola de 2023/2024 fracassou devido ao fenômeno El Niño, deixando mais de 3 milhões de pessoas em risco de insegurança alimentar.

Enny Nyashanu, de 79 anos, uma das vítimas das colheitas fracassadas, disse à DW que a situação é terrível: "Eu tinha grandes expectativas em relação a essa safra. Tinha certeza de que sobreviveríamos com a nossa colheita. Mas não há esperança nem lugar para onde correr. O país inteiro está assim."

Em todo o Zimbábue, especialmente no distrito de Buhera, na província de Manicaland, as plantações secaram e morreram. "Não há nada nos campos. Estamos desesperados por chuvas. Perdemos a esperança de colher qualquer coisa", disse um morador num centro de distribuição de alimentos.

O Programa Alimentar Mundial (PAM) da Organização das Nações Unidas tem se esforçado para acompanhar a demanda por assistência alimentar. "O financiamento tem sido e continuará sendo um desafio", afirma Sherita Manyika, do PAM Zimbábue.

O programa da ONU é financiado inteiramente por doações voluntárias, e Manyika diz haver um enorme déficit financeiro.

Uma imagem aérea mostra uma área rural complemente devastada pela seca no interior do Zimbábue, no sul da África.
Seca devastadora tem feito milhares de zimbabueanos sofrerem de insegurança alimentar, principalmente no interior do paísFoto: Privilege Musvanhiri/DW

Pela recuperação?

A doação da Rússia, parte de uma promessa de 200 mil toneladas de grãos feita pelo Kremlin aos países africanos durante a cúpula Rússia-África de 2023, poderia ser encarada, portanto, como um socorro oportuno para os zimbabueanos.

O Zimbábue é uma das seis nações africanas, junto com Burkina Faso, Mali, Eritreia, República Centro-Africana e Somália, que recebem grãos da Rússia.

Emmerson Mnangagwa, presidente do país, demonstrou apreço pela doação, estendendo os cumprimentos ao presidente russo, Vladimir Putin.

"Em nome do povo e do governo do Zimbábue, expresso minha profunda gratidão ao meu querido irmão, o presidente da Federação Russa", comentou Mnangagwa durante a cerimônia oficial de entrega.

Para muitos zimbabueanos, a esperança é de que essa ajuda possa ser de longo prazo, a fim de garantir sua sobrevivência: "Esperamos que essas doações de alimentos continuem para que nossas famílias sobrevivam. Não temos outros meios de obter alimentos", disse à DW uma mulher no centro de distribuição de alimentos.

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Motivos questionados

Embora a doação de grãos seja um alívio bem-vindo para o Zimbábue, alguns especialistas questionam os motivos por trás da ação russa no continente africano.

Alex Vines, diretor do Programa para a África da Chatham House, um think tank com sede em Londres, afirmou à DW que a doação da Rússia pode ter mais a ver com estratégia política do que com humanitarismo.

"Isso não é reforçar a diplomacia russa na África. [A Rússia] está recompensando os seus melhores aliados ou os países com os quais quer aumentar seu envolvimento", alega.

Vines disse que outros países africanos – inclusive alguns ainda mais necessitados – não foram colocados no acordo de grãos, "portanto, trata-se de uma afirmação política em vez de humanitária".

Além disso, o relacionamento tenso do Zimbábue com as potências ocidentais o torna um parceiro atraente para a Rússia mostrar sua influência.

"O Zimbábue é um país que tem um relacionamento ruim com o Ocidente. É uma afirmação política para mostrar que eles têm outros parceiros. E a Rússia é um deles", diz Vines.

Ao fornecer recursos essenciais, a Rússia estaria se posicionando como um aliado seguro, preenchendo um vazio deixado pelas tensas relações com países ocidentais.

Guerra na Ucrânia "sobrecarrega"

À medida que os repasses de ajuda prosseguem, surgem questões sobre as implicações de longo prazo do envolvimento da Rússia com a África, especialmente sob a liderança ininterrupta de Putin.

Apesar da perspectiva de mais acordos de grãos e laços ainda mais fortes, Vines afirma que a capacidade da Rússia de se envolver de forma sustentável na África pode ser limitada devido a seus compromissos contínuos em outros lugares, especialmente a invasão da Ucrânia.

"Embora a estratégia russa seja envolver o continente africano, a realidade é que a Rússia está sobrecarregada", argumenta Vines.

Com recursos desviados para outras prioridades, incluindo esforços militares, a capacidade da Rússia de manter sua força na África pode enfrentar desafios.

Para o governo do Zimbábue, o foco está em garantir aos cidadãos que ninguém passará fome.

"O número de pessoas com insegurança alimentar e a distribuição de grãos começaram em todas as áreas das oito províncias rurais do país. O registro de beneficiários e a distribuição de grãos continuarão sem interrupção durante o período de seca provocado pelo El Niño", disse o ministro da Informação do Zimbábue, Jenfan Muswere.

Futuro das relações Rússia-África

Enquanto Putin assegurava seu quinto mandato como presidente da Rússia, permanecia incerto se mais acordos de grãos e relações mais fortes entre Moscou e a África estavam no horizonte.

Alex Vines reitera que os recursos da Rússia estão se esgotando devido à guerra na Ucrânia.

"Vemos um declínio significativo na ajuda à defesa dos países africanos, devido ao redirecionamento de equipamentos militares para os esforços de guerra em que a Rússia está envolvida", diz.

A implicação, segundo Vines, é de que isso pode abrir portas para que outros países, como a China, aumentem sua influência na África.