O que se sabe sobre o caso Tyre Nichols
1 de fevereiro de 2023O americano Tyre Nichols, homem negro de 29 anos morto por policiais nos Estados Unidos, foi velado nesta quarta-feira (01/02) em Memphis. O funeral contou com a presença da vice-presidente americana, Kamala Harris, e de ativistas dos direitos civis, além de familiares de outras vítimas de violência policial.
Nichols morreu em 10 de janeiro, três dias após ser espancado por cinco policiais durante uma fiscalização de trânsito.
A morte de Tyre Nichols gerou uma nova onda de indignação e protesto nos Estados Unidos – e reviveu reivindicações por uma reforma nas forças de segurança e na cultura policial no país.
O presidente americano, Joe Biden, se disse "indignado" após ver os vídeos das agressões contra Nichols.
O que ocorreu com Nichols
Em 7 de janeiro, em Memphis, Nichols foi parado por agentes da polícia que alegavam uma infração de trânsito. Ele morreu três dias depois em um hospital devido aos ferimentos provocados pelas agressões.
Imagens de câmeras de vigilância e acopladas aos uniformes dos policiais mostram os agentes tentando derrubar Nichols com uso de gás lacrimogêneo e uma arma de choque. Nichols tentou fugir, mas os policiais acabaram conseguindo impedir. Posteriormente, o jovem é visto gemendo de dor ao mesmo tempo em que os policiais desferem socos e chutes repetidamente enquanto ele está caído no chão.
O jornal americano The New York Times analisou minuciosamente as imagens do incidente e afirmou que Nichols recebeu uma enxurrada de ordens impossíveis de serem seguidas. Durante os 13 minutos de martírio, foram 71 comandos – em sua maioria confusos, conflitantes e inatingíveis.
As ordens foram emitidas em dois locais – próximo ao veículo da vítima e na área para onde ele havia fugido e onde acabou por ser espancado. Elas eram muitas vezes simultâneas e contraditórias – ordenaram que mostrasse as mãos, enquanto seguravam suas mãos; disseram para que ficasse no chão, embora ele já estivesse no chão; ordenaram que ele se reposicionasse mesmo quando não tinha controle de seu corpo. E mesmo quando ele conseguia fazer o que lhe foi pedido, os policiais respondiam com força excessiva.
O que ocorreu com os agressores
Os cinco policiais envolvidos no caso, todos negros, foram demitidos, presos e acusados de homicídio em segundo grau, agressão, sequestro, má conduta e opressão. Eles têm idades entre 24 e 32 anos e trabalharam na polícia por períodos que variam entre dois anos e meio e cinco anos.
No estado americano do Tennessee, onde fica Memphis, o homicídio em segundo grau é um estágio intermediário entre assassinato e homicídio culposo. Sequestro, neste caso, refere-se à detenção ilegal de um ser humano.
Após a repercussão do caso, a polícia local decidiu dissolver a unidade especial envolvida no incidente. Familiares de Nichols saudaram o desmantelamento da força-tarefa criada em 2021 para combater atividades ilegais em bairros com taxas altas de criminalidade.
Necessidade de mudanças
A polícia nos EUA tem sido acusada por organizações de direitos humanos de uso desproporcional de violência contra a população negra no país. Quase um terço de todos os mortos pela polícia nos EUA em 2021 eram afro-americanos, apesar de eles representarem apenas 13% da população do país.
Aproximadamente 32 anos atrás, o violento espancamento de Rodney King pela polícia de Los Angeles provocou apelos nacionais por mudanças. Essas manifestações contra a violência policial e por uma alteração da cultura policial no país têm se repetido num ritmo incessante desde então – entre os casos mais famosos estão as mortes de Amadou Diallo, em Nova York, Oscar Grant, em Oakland, Michael Brown, em Ferguson, e George Floyd, em Mineápolis.
As imagens do assassinato de Floyd em 2020 acabaram levando a uma proposta legislativa batizada com seu nome e a demonstrações de solidariedade de corporações e ligas esportivas por todo o país. Mas não houve modificações na cultura enraizada do policiamento americano.
O que pode ser feito
Especialistas entrevistados pelo jornal The New York Times afirmaram que as ações dos policiais de Memphis retrataram um exemplo flagrante de um problema de longa data no policiamento americano: os policiais punem fisicamente os civis por desrespeito ou desobediência – uma prática, segundo eles, comum em décadas anteriores, principalmente nos anos 1980.
Autoridades americanas do alto escalão disseram que o assassinato de Nichols aponta para a necessidade de reformas mais ousadas, que deve ir além de simplesmente diversificar os membros das corporações policiais, mudar as regras de uso da força e encorajar os cidadãos a registrar queixas.
"O mundo está nos observando", disse o promotor distrital do condado de Shelby, Steve Mulroy. "Se há algo de bom a ser tirado dessa escuridão é que talvez esse incidente possa abrir uma conversa mais ampla sobre a necessidade de uma reforma da polícia."
O presidente Joe Biden ecoou os pedidos dos líderes nacionais dos direitos civis. "Para proporcionar uma mudança real, devemos ter responsabilidade quando os agentes da lei violam seus juramentos e precisamos construir uma confiança duradoura entre os agentes da lei – a grande maioria dos quais usam o distintivo com honra – e as comunidades em que eles juraram servir e proteger", disse Biden.
Os estados americanos aprovaram quase 300 projetos de lei de reforma policial após o assassinato de Floyd – criaram supervisão civil da polícia, incrementaram o treinamento antipreconceito, estabeleceram limites mais rígidos para o uso de força e alternativas para detenções em casos que envolvem pessoas com doenças mentais. No entanto, para especialistas, apenas mudar leis não basta: é preciso que haja uma mudança no comportamento dos policiais.
"A cultura de um departamento policial tem que mudar para realmente implementar as políticas, não apenas dizer que há uma nova regra em vigor", disse Katie Ryan, chefe de gabinete da Campanha Zero, um grupo de acadêmicos e especialistas em policiamento e ativistas que trabalham para acabar com a violência policial.
O projeto de lei que leva o nome de George Floyd segue sem resolução no Congresso. A proposta visa banir perfis raciais, proibir estrangulamentos e mandados de busca sem aviso prévio ao habitante da residência, limitar a transferência de equipamento militar aos departamentos de polícia, além de facilitar a apresentação de acusações contra policiais infratores.
le (DW, ots)