O real risco de uma nova Guerra da Coreia
28 de abril de 2017Nuvens pesadas pairam sobre a Península da Coreia. Diante das declarações beligerantes e dos testes regulares de mísseis da Coreia do Norte, bem como dos exercícios navais dos Estados Unidos e da Coreia do Sul, o mundo inteiro teme que a situação evolua em breve para uma nova Guerra da Coreia.
Análise: A complexa equação chamada Coreia do Norte
O presidente dos EUA, Donald Trump, alertou para o risco de "um grande conflito" com a Coreia do Norte por conta das ambições nucleares do país asiático. Em entrevista à agência de notícias Reuters no Salão Oval, nesta quinta-feira (27/04), Trump se disse disposto a resolver a crise de forma pacífica, possivelmente por meio de novas sanções econômicas, embora a opção militar não esteja descartada. "Existe a chance de acabarmos num grande, grande conflito com a Coreia do Norte", afirmou. "Adoraríamos resolver as coisas diplomaticamente, mas é muito difícil."
Na semana passada, o vice-presidente Mike Pence fez um discurso a bordo do porta-aviões USS Ronald Reagan, estacionado no Japão, e disse que a "espada está afiada" ao advertir a Coreia do Norte para não testar a determinação militar dos EUA. Ele afirmou que os americanos responderão com "força esmagadora" caso sejam atacados.
Poucos dias depois, em resposta aos exercícios navais nipo-americanos no Mar das Filipinas, o jornal oficial do regime norte-coreano, Rodong Sinmun, ameaçou: "Nossas forças revolucionárias estão prontas para afundar um porta-aviões americano de propulsão nuclear com um golpe só."
Em resposta ao anúncio de que o porta-aviões em questão, o USS Carl Vinson, partiria para as águas perto da Península da Coreia, Pyongyang afirmou que o deslocamento era "uma ação extremamente perigosa por parte daqueles que planejam uma guerra nuclear." O USS Carl Vinson vai se unir ao USS Michigan, um submarino equipado com até 144 mísseis Tomahawk e que aportou na base naval sul-coreana de Busan nesta terça-feira.
Tensão crescente
Os recentes acontecimentos não mudaram o status quo da crise coreana, mas há uma tensão crescente que não deve ser subestimada. A capacidade militar da Coreia do Norte é cada vez mais forte e não há nenhum sinal de que o regime mudará sua postura agressiva, algo que considera necessário para sobreviver.
Nesta terça-feira, os norte-coreanos comemoraram os 85 anos de suas Forças Armadas com uma enorme demonstração de poder de fogo. De acordo com a agência estatal de notícias KCNA, foi a maior manobra militar de todos os tempos, envolvendo mais de 300 peças de artilharia de grande calibre e ataques de submarinos com torpedos em maquetes de navios de guerra. A agência estatal afirmou que o exercício demonstra a determinação do regime de "lançar uma impiedosa chuva de fogo sobre o imprudente imperialismo americano e seus seguidores sujos."
A política externa americana mais agressiva e provocadora sob Trump eleva ainda mais a tensão. Bem menos diplomático do que nesta semana, o líder americano declarou em março que os EUA agiriam unilateralmente, se necessário, contra a Coreia do Norte. Ele também insinuou que uma ação militar preventiva seria uma opção para combater a produção de foguetes com ogivas nucleares capazes de atingir os Estados Unidos.
Kim e Trump
"A diferença entre Trump e Kim Jong-un é que o presidente americano não tem nenhum plano de longo prazo para a Coreia do Norte e nenhuma visão diferenciada de quando, como, por que e por quanto tempo a força militar é útil ou eficaz", afirma a especialista Katharine Moon, do Instituto Brookings. "Kim tem um plano de longo prazo, que é a sobrevivência do regime, a manutenção do orgulho nacional e a resistência aos EUA. Trump muda de ideia toda hora, Kim não", diz Moon.
"As pessoas fecharam os olhos por décadas, e agora é hora de resolver o problema", declarou Trump numa reunião com embaixadores do Conselho de Segurança das Nações Unidas para debater novas sanções à Coreia do Norte.
Na última quarta-feira, os EUA anunciaram a instalação do controverso escudo antimísseis Thaad numa área ao sul de Seul. Falando à Comissão de Forças Armadas do Congresso, em Washington, o comandante das tropas americanas na região da Ásia-Pacífico, o almirante Harry Harris, disse que o sistema estará operacional em poucos dias.
Em resposta às declarações ameaçadoras de Pyongyang, Harris também relatou que a Coreia do Norte não teria nenhuma arma que pudesse ameaçar o USS Carl Vinson e sua frota. "Se voar, será abatida", disse o almirante. Já o ministro de Defesa da Coreia do Norte, Pak Yong-sik, declarou nesta segunda-feira, durante um "encontro nacional" com a presença de milhares de funcionários do governo, em Pyongyang, que o país usará ataques preventivos para se defender, se necessário.
Mais paciência estratégica será necessária
Apesar das ameaças de uso de força, os EUA têm grandes dificuldades para agir preventivamente, pois milhões de pessoas em Seul e arredores estão ao alcance da artilharia convencional norte-coreana, que é simples, mas eficaz. "A artilharia da Coreia do Norte poderia causar danos significativos em Seul", diz Kelsey Davenport, diretora de Política de Não Proliferação na Associação de Controle de Armas, em Washington. "O país possui uma série de sistemas concentrados ao longo da zona desmilitarizada. Estima-se que o número de peças de artilharia seja superior a 11 mil."
Davenport acrescenta que, embora tais sistemas estejam envelhecendo e possuam uma alta margem de erro, alguns poderiam atingir Seul – mais especificamente, lançadores múltiplos de mísseis com calibre de 300 milímetros. De acordo com o think tank americano de estratégia Stratfor, se todos forem disparados, um único ataque poderia "lançar mais de 350 toneladas de explosivos sobre toda a capital sul-coreana, aproximadamente a mesma quantidade lançada por 11 bombardeiros B-52."
"Pyongyang não precisa de armas novas e sofisticadas para nos confrontar com o tipo de risco que ninguém gostaria de correr. Os seus velhos armamentos ainda funcionam bem", escreveu John Schilling, do think tank sobre a Coreia do Norte 38 North.
Nesta sexta-feira, o secretário de Estado americano, Rex Tillerson, presidiu um encontro do Conselho de Segurança das Nações Unidas para discutir a imposição de sanções na Coreia do Norte. "A política da paciência estratégica acabou", afirmou Tillerson. A maioria dos especialistas concorda com ele.
Ainda assim, e apesar do tom duro do governo Trump, a atual ação dos EUA se assemelha à estratégia de contenção, pressão diplomática e sanções que caracterizou por décadas a cambaleante política americana frente para a Coreia do Norte.
Moon afirma que uma estratégia ainda não testada seria isolar o regime norte-coreano com sanções diplomáticas e mobilizar a Assembleia Geral da ONU para suspender a participação da Coreia do Norte, o que restringiria o seu acesso e importância.
Influência chinesa
Na quarta-feira, Trump conversou com todos os senadores numa reunião sem precedentes sobre a Coreia do Norte na Casa Branca e falou que o governo americano vai contar com a influência econômica chinesa para pressionar o país vizinho. Na quinta-feira, foi anunciado que os Estados Unidos vão endurecer as sanções a Pyongyang.
"Até agora, o reforço militar americano não faz parte de uma estratégia maior, assim não está claro qual é o jogo final dos Estados Unidos", disse Moon, acrescentando que o objetivo declarado é forçar a Coreia do Norte a desistir de seu programa nuclear por meio de pressão econômica e militar. "Esse foi o mesmo objetivo final dos governos de George W. Bush, Barack Obama e agora Donald Trump", lembra a especialista. "O Carl Vinson não pode ficar indefinidamente à porta da Coreia do Norte."
Imagens de satélite de locais de testes nucleares da Coreia do Norte, analisadas no início do mês pelo 38 North, mostram que a área de testes Punggye-ri "parece pronta para realizar um sexto teste nuclear, a qualquer momento, tão logo receba ordens de Pyongyang."
Por enquanto, o nó norte-coreano segue difícil de desatar.