O terrorismo e o debate sobre integração na França e Bélgica
6 de abril de 2016Mulheres de lenço na cabeça e trajes típicos do norte da África caminham numa rua comercial movimentada. Um comerciante faz bons negócios vendendo exemplares do Alcorão e livros de orações. Alguns metros adiante, um grupo de homens jovens, que vestem as tradicionais kurtas asiáticas, joga críquete no pátio de uma igreja.
Bem-vindo a Molenbeek, um distrito de Bruxelas que é o lar de uma meia dúzia de nacionalidades e onde o desemprego entre os jovens alcança os 50%. E, nos últimos anos, é também a "capital do jihadismo" na Europa.
Se a Bélgica quer mesmo combater o extremismo, Molenbeek – distante meia hora de caminhada da fabulosa Grand Place – é o lugar certo para começar. Foi daqui que saíram – e para onde retornaram – alguns dos combatentes jihadistas que passaram pela Síria, e também onde cresceram e viveram alguns dos extremistas ligados aos recentes ataques terroristas em Paris e Bruxelas.
Mas Molenbeek é mais do que alguns poucos moradores que se radicalizaram – é também o reflexo de uma Europa multicultural, em meio a um processo de rápida transformação, que demanda novas formas de lidar com a integração.
Sensação de inclusão social
Para alguns, isso significa reconhecer diferentes noções de pertencimento – a um bairro ou a uma cidade, mas também a uma nação. Outros acreditam que isso também significa abandonar modelos tradicionais de assimilação e adotar uma abordagem para religião e multiculturalismo mais semelhante à de países americanos e mais adequada à nova realidade da Europa.
"Não importa se você tem um véu na cabeça, importa o que você tem dentro da cabeça", resume a socióloga Corinne Torrekens, especialista em comunidades muçulmanas da Universidade Livre de Bruxelas. "Temos de parar com esse debate de neutralidade e secularismo na Bélgica e reconhecer e aceitar nossa sociedade multicultural em todas as suas manifestações e não apenas quando queremos beber chá de menta ou comer churrasco grego."
O mesmo debate acontece na França, refletindo uma grande similaridade entre os dois países. Os dois são líderes europeus na exportação de combatentes jihadistas. E ambos lutam contra a ocorrência de novos atentados terroristas que parecem estar extremamente interconectados.
E ambos lutam para conciliar suas sociedades seculares com a larga e visível comunidade de imigrantes muçulmanos. "Não é uma questão de os muçulmanos se integrarem à sociedade, mas de a sociedade integrar os muçulmanos", opina o sociólogo Alexandre Piettre.
Em que medida esses problemas de integração resultam em terrorismo é uma questão controversa. Especialistas observam que apenas uma pequena parcela dos muçulmanos belgas e franceses se voltou para o islã radical. E há muitos cristãos convertidos, que cresceram em famílias seculares que já há tempos estão na Europa.
Os dois países têm problemas similares, mas têm legados coloniais diferentes e também sistemas diferentes de reassentamento das largas populações de trabalhadores imigrantes que começaram a chegar nos anos 1950 e 1960, oriundas dessas antigas colônias.
Na Bélgica, muitos imigrantes e seus descendentes vivem em bairros marginalizados, como Molenbeek, que são culturalmente separados do meio que os cerca, mas próximos a ele.
Já na França, os imigrantes e seus descendentes vivem na periferia das grandes cidades. São subúrbios de baixa renda que circundam cidades como Paris, onde a divisão espacial pode aprofundar os problemas de desemprego e transporte.
"Se você quer que os turistas venham até a Grand Place, você tem de pacificar os bairros de classe trabalhadora que distam 500 metros de lá", diz o especialista em estudos urbanos Eric Corijn, da Universidade Livre de Bruxelas. "Por isso há investimentos, programas e infraestrutura que são de melhor qualidade do que aquilo que você pode encontrar na periferia de Paris, por exemplo."
Nos dois países, muçulmanos participaram das grandes manifestações pedindo paz, que se seguiram aos ataques terroristas. "Sim, eu me sinto estigmatizado, como um monte de pessoas. Mas são pessoas de visão estreita que pensam assim. Penso que temos de avançar juntos", comenta Larbi Arbaoui, de 41 anos, que mora em Molenbeek.
Muitos moradores de lá afirmam que não sabem explicar a radicalização e a fúria em setores do seu bairro. "Há muitos jovens que deixaram a escola com 14, 15 anos, mas eles são normais", diz Nafisa Meziane, de 16 anos.
Mas o educador Thomas Devos, que trabalha com jovens nas ruas de Molenbeek, afirma que eles sentiram os últimos ataques. "Antes era algo como: Bem, não é aqui'. Mas agora é diferente. Uma família foi afetada. Pessoas que eles conhecem e com quem eles se importam foram afetadas", afirma.
Dezenas de "Molenbeeks"
Na França, às voltas com as mesmas questões de terrorismo e identidade, alguns políticos afirmam que há dezenas de lugares como Molenbeek.
O subúrbio parisiense de Sevran, por exemplo, ganhou reputação como sendo um deles. Assim como Molenbeek, a cidade tem uma grande comunidade de imigrantes muçulmanos e tenta lutar contra uma alta taxa de desemprego juvenil.
Em março, um grupo de moradores de Sevran acusou o prefeito de fechar os olhos para o crescente problema do extremismo. Uma assim chamada "Mesquita do Estado Islâmico" só foi fechada há pouco.
O prefeito de Sevran, Stephane Gatignon, reconhece que uma dezena de jovens viajou para a Síria, mas diz que os números são muito mais altos em outros locais da França. Além disso, combater o terrorismo não é algo que uma cidade possa fazer sozinha. "Estamos falando de uma rede ampla e porosa. Estamos em guerra, e todos devem fazer a sua parte, incluindo os cidadãos", argumenta.
Para ele, parte da resposta está em repensar a relação da França com suas comunidades de imigrantes, como Sevran. "É necessário reconhecer os potenciais delas e não apenas os seus problemas", argumenta. "As coisas surgem aqui. É aqui que as coisas acontecem em termos de cultura, esportes e negócios. É isso que significa ser uma sociedade aberta. O que a França está propondo é uma sociedade fechada."
Para Gatignon, será difícil combater o extremismo islâmico sem essa mudança e sem o surgimento de um forte sentimento de inclusão entre os muçulmanos franceses.
O ativista e empresário Yacine Hilmi, de 32 anos, concorda. Filho de imigrantes marroquinos, ele afirma que se sente totalmente francês, mas conhece muitas pessoas que não têm esse sentimento.
"Temos de repensar nossas história e criar heróis com quem os garotos desses bairros possam se identificar", comenta. "Alguém que se sinta profundamente francês não vai querer atacar seu país ou seus cidadãos."
Ele disse ter ficado impressionado ao conversar com imigrantes durante uma visita aos Estados Unidos. "Mesmo imigrantes recém-chegados querem dizer 'eu sou americano'. Há um sentimento de patriotismo e inclusão que é muito diferente da Europa."