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Obrigar supermercados a doar é eficaz no combate à fome?

6 de agosto de 2023

Na Bélgica, região de Bruxelas estuda lei tornando compulsório para os estabelecimentos maiores doar a bancos alimentares os produtos não vendidos. Abordagens da fome social variam na Europa – assim como os resultados.

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Banco alimentar de Laeken, Bélgica
Banco alimentar de Laeken: recebe-se o que os supermercados dãoFoto: Lucia Schulten/DW

Uma vez por semana, a belga Jeannine Weyekmans, presidente de um banco alimentar, fornece alimentos a cerca de 150 famílias. Nesta quinta-feira, é grande a afluência à igreja protestante de Laeken, um município da região de Bruxelas-Capital.

Mulheres e homens, muitos acompanhados de crianças, enchem seus carrinhos e bolsas de compras com o que os voluntários lhes entregam. Nas mesas, ao lado de uma pilha de pães, estão molhos, legumes e verduras. Do outro lado da sala, saquinhos de batatas fritas e caixas cheias de doces. Há também água mineral, frutas e óleo de cozinha. A carne fica numa grande geladeira.

A diferença de um estabelecimento comercial é que ninguém paga pelo que leva, mas tampouco pode escolher à vontade o que quer nas prateleiras. O que há, foi doado pelos supermercados. Alguns artigos já estão com a data de validade vencida. Outros, como óleo ou farinha, estão marcados com a bandeira da União Europeia, e foram pagos por um projeto do bloco de nações.

A presidente conta que parte de sua clientela é encaminhada pelos serviços de assistência social, enquanto há quem lá vai por estar seriamente endividado, e ainda outros que aguardam seus vistos de permanência, e no meio tempo não têm permissão para trabalhar.

Seu banco alimentar verifica ligeiramente se quem o procura realmente está necessitado, mas nunca enviaria ninguém embora sem comida, assegura Weyekmans. No limite da fome, a subsistência de alguns depende inteiramente do que recebem a cada quinta-feira.

Diretora de banco alimentar belga Jeannine Weyekmans
No bando alimentar de Jeannine Weyekmans, ninguém vai para casa de mãos vaziasFoto: Lucia Schulten/DW

Doações compulsórias para combater desperdício

O banco alimentar de Laeken é um de cerca de 140 nas regiões de Bruxelas e Brabante. O banco regional central fornece anualmente cerca de 5 mil quilos de alimentos a organizações sem fins lucrativos, informa o presidente da instituição, Luc Rogge.

Ela funciona como um posto central para as doações de supermercados aos bancos locais, além de distribuir os gêneros fornecidos pelo Fundo de Auxílio Europeu aos mais Carentes (FEAD, na sigla em inglês), um projeto da UE responsável por cerca de 40% do volume total de doações.

O banco alimentar opera através de voluntários, sendo patrocinado pelos serviços sociais da Bélgica e pela região de Bruxelas. Certo é que, sem gente como Luc Rogge e Jeannine Weyekmans, muito mais comida seria desperdiçada.

O instituto de estatísticas Eurostat estima que cerca de 10% dos alimentos disponibilizados aos consumidores da UE vai parar no lixo – o equivalente a quase 59 milhões de toneladas em 2020. Ao mesmo tempo, 32,6 milhões de cidadãos da Europa não podem se permitir uma refeição de qualidade a cada dois dias.

Na região de Bruxelas, 70 mil dependem dos bancos de alimentos, afirma em seu website Alain Maron, o secretário regional para Mudança Climática, Meio Ambiente, Energia e Democracia Participativa.

A partir de 2024, ele quer tornar compulsório os negócios com mais de mil metros quadrados de área a doarem a comida não vendida, mas ainda consumível. Já aprovado em primeira votação, o projeto de decreto está prestes a ser submetido a outras instâncias legislativas.

Três abordagens para a doação de alimentos por lei

Segundo Hans Cardyn, porta-voz da associação varejista belga Comeos, os supermercados do país já doam muito, e a nova lei poderia ser desvantajosa para sua clientela, que não mais se beneficiaria dos preços reduzidos para produtos com data de validade iminente.

Sem dar mais detalhes, ele diz ser também problemático que a compulsoriedade só se aplique às lojas com mais de mil metros quadrados. Assim, o projeto de Maron pode soar bem, mas na verdade seria "uma boa ideia equivocada", critica Cardyn.

A Bélgica não é a única nação europeia que quer regular por lei as doações de comida pelos supermercados. A Espanha, por exemplo, também planeja uma legislação para dar fim ao desperdício. Angela Frigo, secretária-geral da Federação Europeia de Bancos Alimentares (Feba), que representa 351 centrais em 30 países, registra três tipos de abordagem oficial.

Em países como França e República Tcheca, os varejistas se comprometem formalmente a doar os produtos excedentes a organizações de assistência alimentar. Outros, como Itália e Moldova, adotam incentivos fiscais ou simplificam os procedimentos administrativos para as doações. Por fim, a Holanda e a Hungria, por exemplo, preferem acordos voluntários à imposição legislativa.

Os efeitos práticos de uma legislação para os bancos alimentares variam: dependendo do país, "a implementação dessas abordagens resultou ou no aumento ou na diminuição das doações", informa a Feba. No entanto, a mudança principal foi "um maior foco na questão da doação de alimentos e a intensificação do diálogo entre todas as partes envolvidas".

 Luc Rogge, presidente de banco alimentar de Bruxelas e Brabante
Sem voluntários como Luc Rogge, muito mais comida iria para no lixo na Bruxelas e BrabanteFoto: Lucia Schulten/DW

Modelo varejista já pressupõe esbanjamento

Embora concedendo que "cada coisinha ajuda", Paul Milbourne, geógrafo social da Universidade de Cardiff, no País de Gales, critica o fato de nenhuma dessas abordagens atacar a questão maior de por que o esbanjamento de comida ocorre. A seu ver, o modelo varejista dos supermercados inclui um elemento de superávit, e esse aspecto da superprodução não está sendo considerado.

Os supermercados não são os únicos responsáveis pelo desperdício, pois 50% provém das próprias residências, de acordo com a Comissão Europeia. Até 2030 o órgão quer impor metas vinculativas para atacar o problema: em julho propôs formas de reduzir as perdas em 10% na produção, e em 30% no varejo e no consumo. A proposta ainda vai ser debatida no Parlamento Europeu e pelos Estados-membros da União Europeia.

Milbourne propõe que toda a forma de encarar a comida seja repensada e tratada como um direito fundamental. Ele considera problemático usar restos do comércio varejista para alimentar os cidadãos de baixa renda: a seu ver, há métodos melhores, evitando a estigmatização ligada que os bancos de alimentos implicam.

Uma alternativa que está se desenvolvendo no Reino Unido é a community food shop (loja de alimentos comunitária): semelhante a uma cooperativa, um grupo de cidadãos se reúne para comprar alimentos a preços reduzidos, e repassa essa economia aos membros. Para o geógrafo social, a vantagem é se disponibilizarem aos mais carentes uma variedade de produtos de alta qualidade.

De volta a Bruxelas-Capital, ambos os voluntários de bancos alimentares saúdam o plano da região de tornar compulsórias as doações. Mas, enquanto Jeannine Weyekmans está otimista com a perspectiva de poder ajudar ainda mais gente no futuro, Luc Rogge não acha que a medida vá alterar muito na prática, uma vez que os supermercados já estão doando praticamente tudo o que podem.