Agora, tudo está acontecendo muito rapidamente: as tropas russas ocupam parte do segundo maior país da Europa. E com insígnia nacional na na lapela. Não de forma disfarçada, como têm sido nos últimos oito anos, ou como "homens verdes" anônimos na Crimeia. Não: Vladimir Putin envia tropas oficiais para ocupar um Estado europeu independente que é membro da ONU – a Ucrânia.
Esta é uma nova violação do direito internacional, como tantas antes. É uma violação do Memorando de Budapeste sobre Garantias de Segurança de 1994, após o qual a Ucrânia renunciou voluntariamente a suas armas nucleares. Em troca, os signatários Rússia, Reino Unido e EUA se comprometeram a respeitar a soberania e as fronteiras existentes da Ucrânia.
O fato de a recente invasão russa da Ucrânia estar quebrando esse acordo deve ser um toque de despertar para a visão generalizada, particularmente na Alemanha, de as intenções Putin não são tão más quanto parece. Mas sim, é isso mesmo que ele quer! Aliás, ativistas de direitos civis da antiga Alemanha comunista entendem a medida exatamente como ela deve ser entendida: como uma declaração de guerra.
Não apenas um país vizinho
Na segunda-feira, Vladimir Putin declarou a seu povo e à Europa, sentado de forma casual, de gravata torta e ambas as mãos sobre a mesa e com a maior desfaçatez: "A Ucrânia não é apenas um país vizinho. É parte integrante de nossa história, cultura e espaço espiritual."
Espaço espiritual? Para os não iniciados, a questão é que a "Rússia de Kiev", à qual se refere a Rússia nacionalista atual, identifica suas origens míticas fundadoras no Mosteiro de Kiev-Petchersk.
Neste discurso televisionado, o homem do Kremlin deixou a máscara cair completamente. Nada resta do tempo em que Putin tinha a admiração de certos parlamentares da Alemanha, esperançosos do surgimento de uma Rússia nova e moderna. Nessa noite, quem está no Kremlin é aquele Vladimir Putin que ele sempre foi: um tchequista, filho de sua organização, a KGB.
Lá está o ex-agente prestes a completar 70 anos, que já atuou como espião em Dresden, sentado a uma mesa marrom escura e levantando as mãos para marcar aspas: "Descendentes gratos", diz ele, "demoliram os monumentos de Lenin na Ucrânia . Eles chamam isso de descomunização."
Para isso, é necessário saber que após a revolução pró-europeia Maidan em 2014, nacionalistas ucranianos, bem como ativistas dos direitos civis e artistas usaram o termo "descomunização" na Ucrânia para descrever seu caminho "para a Europa". Estes últimos, fazendo um exame francamente crítico em relação ao processo de iconoclastia, a destruição de imagens.
O que ocorreu em Kiev e em muitas outras cidades da Ucrânia já acontecera cidades da Alemanha Oriental após a queda do Muro de Berlim: monumentos de Lenin foram derrubados, como sinal de mudança. Seguiu-se um exame crítico deste procedimento: o processo de uma sociedade aberta, vivenciado num país pós-soviético, a Ucrânia.
Isso não agrada ao tchequista do Kremlin, o homem que transformou a Rússia dos anos Boris Yeltsin numa estrutura econômica da oligarquia da KGB, baseada em petróleo e gás natural. Isso é compreensível a partir da visão de mundo simplificada de Putin , que não entende nada da mentalidade europeia de como lidar com política, cultura e reflexão social.
Um basta aos crimes de Putin
Com a Revolução Laranja de 2004, a Ucrânia embarcou num caminho marcado por retrocessos. Em 2013, começaram os protestos da praça Maidan, em Kiev, em resposta à rejeição ao acordo de associação à UE pelo governo pró-Kremlin de Viktor Yanukovych, o segundo governante pós-soviético derrubado pelos ucranianos.
Eles vão fazer isso novamente, pois sabem que é possível.
A Europa agora tem uma chance: acabar com os crimes de Putin ou ser cúmplice de uma grande guerra que ainda pode ser evitada. Mas qualquer solução que permita agora Putin se apossar de mais território, ocupando as áreas rebeldes de Donetsk e Lugansk, já contém as sementes da guerra real contra a Ucrânia. E por isso não é uma solução.
E a Alemanha democrática, como parte da União Europeia, tem a maior responsabilidade nisso: porque foram os soldados alemães que, em nome de Hitler, invadiram primeiro a Polônia, depois a Ucrânia e Belarus.
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Frank Hofmann é jornalista da DW. O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.