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Opinião: A verdade não tem chance no caso Nemtsov

Ingo Mannteufel (av)2 de março de 2015

Assassinato do oposicionista mostra como age a máquina de desinformação na Rússia de Putin. Mídia sob controle estatal é seu principal instrumento, opina Ingo Mannteufel, chefe da redação Europa da DW.

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Ingo Mannteufel, chefe da redação Europa da DWFoto: DW

O assassinato do ferrenho oposicionista russo Boris Nemtsov, na sexta-feira (27/02), e a marcha em sua memória no centro de Moscou, no domingo, foram matérias de destaque na mídia por todo o fim de semana, também na Rússia. O que se justifica, pois esse atentado político é, sem dúvida, uma ocorrência trágica e significativa para a história russa recente.

Mas foi também interessante observar como o Kremlin e os meios de comunicação de massa por ele controlados imediatamente colocaram em funcionamento a já usual máquina de desinformação e obscurecimento dos fatos.

Na Rússia, os veículos estatais ou ligados ao Estado geralmente se calam quando se trata de ações dos críticos do presidente Vladimir Putin. Esse deveria também ter sido o destino da marcha oposicionista programada para o domingo. Só que nem mesmo essas mídias podem ignorar o assassinato de um líder da oposição numa das pontes que levam ao Kremlin. Além disso, Nemtsov ganhara destaque internacional nos anos 1990, como vice-chefe de governo.

Mas não se pode falar que o noticiário tenha sido independente. Pelo contrário: ficou patente como, sob tais condições, o Kremlin manipula a imprensa e o próprio povo.

Logo após o atentado, o presidente russo ditou a linha a ser seguida pelos veículos de comunicação: ele declarou a morte de seu crítico como uma "provocação" com o fim de desestabilizar o país. Desse modo, deixava claro que o alvo real do abominável ato não fora Nemtsov, mas ele próprio, Putin.

Dentro desse espírito, cabia à promotoria pública e à mídia sob controle estatal apenas denunciar os adversários usuais de Putin como os possíveis culpados: "os americanos", "os ucranianos", "os fundamentalistas islâmicos" ou qualquer outro grupo que ameace a segurança do país.

Seguindo a "pista" islamista, os veículos de comunicação russos aproveitaram a ocasião para enfatizar o fato de Nemtsov ser judeu. Diante do antissemitismo amplamente difundido na Rússia, é previsível o efeito de tal informação em conexão com o homicídio: não há como esperar simpatia para com o morto de 55 anos de idade, que além de tudo ainda estava acompanhado de uma jovem e bela ucraniana (!).

Para todos os cidadãos de julgamento sóbrio, ainda dotados de suficiente resistência às teorias de conspiração já usuais na Rússia, apresenta-se mais uma pista: a dos duvidosos negócios imobiliários de Nemtsov.

Por trás da divulgação de todas essas linhas de investigação não está o desejo de esclarecer e informar de forma abrangente, mas de obscurecer de forma direcionada. A responsabilidade do poder estatal, que há anos vem difamando seus críticos através da mídia que controla, não é tematizada.

Em meio a essa avalanche de desinformação, sucumbe também a questão de como pode ser que, justamente no momento do atentado, todas as câmeras de vigilância em torno do Kremlin estivessem desligadas, defeituosas ou em conserto. Em face de tantas "verdades" desejadas, há pouca esperança de que a verdade venha à luz. Nemtsov seria exatamente dessa mesma opinião.