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Ainda é possível resgatar a cultura alemã de boas-vindas

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Gero Schliess
22 de julho de 2018

Medo, agressão e isolamento radicalizaram a discussão sobre como lidar com os migrantes na UE. É preciso ressuscitar o espírito de 2015, quando a população acolheu a onda migratória com carinho, opina Gero Schliess.

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Migrantes em emergência marítima no Mediterrâneo
Migrantes em emergência marítima no MediterrâneoFoto: picture-alliance/SOS MEDITERRANEE/L. Schmid

Um semanário alemão discute com os leitores e consigo mesmo se é para salvar refugiados que estão se afogando. O ministro do Interior faz piada sobre a extradição de 69 migrantes desesperados no dia de seu 69º aniversário. Um estudo de longa duração da Universidade Técnica de Berlim documenta um drástico incremento das ofensas antissemitas na rede. E em 2017 houve mais de 2 mil ataques violentos contra estrangeiros na Alemanha.

Seria possível continuar esta lista até a onda crescente de comentários xenófobos dos usuários na internet – que provavelmente também se seguirão a este artigo de opinião.

Isso dói. A Alemanha, ao que parece, está sem freio nem decência, é brutalização nos pensamentos, palavras e atos. Nós ainda somos nós mesmos, nós, os alemães? É este o país em que queremos viver?

Houve uma época em que eu era especialmente orgulhoso do nosso país. Foi na época da chamada "cultura das boas-vindas" – uma expressão que mal se tem coragem de repetir, hoje em dia.

Voltemos em pensamento ao ano 2015, quando acolhemos na Alemanha quase 1 milhão de migrantes que se encontravam numa situação sem saída. Na época, não ficamos discutindo se devíamos receber ou não essas pessoas, praticamente afogadas em seus apuros. Simplesmente o fizemos.

Todos arregaçaram as mangas, estimulados por uma chefe de governo que liderava com determinação. Segundo uma enquete do Instituto de Allensbach, 50% dos alemães se engajaram pela causa, naquela época. Era o meu conto de fadas alemão privado.

"Nossos filhos ainda terão orgulho da grande prestatividade dos alemães na crise migratória", profetizava o então presidente do Parlamento, Wolfgang Schäuble, que não é exatamente famoso por grandes arroubos emotivos.

Sim, é verdade, e já foi dito inúmeras vezes: Angela Merkel cometeu falhas grosseiras. Também eu me sinto hoje – para só mencionar um efeito tardio desses erros – nitidamente mais inseguro num país em que é desconhecido o paradeiro de milhares de migrantes.

No entanto, a Alemanha ainda está de pé e é invejada por muita gente na Europa e no mundo. E nós conseguimos, sim, muita coisa neste meio tempo – para usar uma expressão pela qual a chanceler foi muito criticada. Desde o início, a política migratória foi alvo de crítica ensurdecedora. Contudo, nas últimas semanas, o vento mudou mais uma vez, ficou mais glacial e mais impiedoso, uma tríade de medo, agressão e isolamento domina o discurso.

Há dois motivos decisivos para tal: por um lado, o partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD) conseguiu radicalizar o debate. Políticos como o governador da Baviera, Markus Söder, simplesmente correm atrás dele, dando assim, mais um empurrão à tendência direitista da sociedade.

E aí, um mês atrás, veio a devastadora mudança de paradigma na política da União Europeia para os refugiados: com apoio ativo da domesticamente debilitada chanceler federal alemã, a assim chamada "cúpula dos refugiados" de 24 de junho decidiu transformar a Europa numa fortaleza, no sentido mais literal do termo.

A partir de agora, "centros de refúgio" ou "plataformas de desembarque" às margens ou fora da UE, assim como todo um pacote de medidas mais rigorosas, vão manter longe de nós aqueles que procuram ajuda. Humanidade e cuidado pela vida humana e por uma vida digna? Coisa de ontem. E hoje? Certo está que essa é uma política que corrompe a Europa e seus tão evocados valores, dando ainda maior impulso ao populismo de direita.

Este foi o ponto a que chegamos: sem fôlego e agitados e praticamente incapazes de nos dedicar aos projetos políticos realmente importantes para a organização da migração. A coalização governamental alemã pode ter aprovado uma lei da imigração. Mas até agora, de concreto, não fez nada.

Os integrantes da coalizão em Berlim também se prometeram reciprocamente, no tom mais contrito e solene, combater as causas do êxodo. No entanto, é justamente esse o quesito em que se pretende economizar no próximo orçamento do ministro do Desenvolvimento Gerd Müller.

Cuidado! Tanta ignorância assim desencoraja até aqueles cheios de boa vontade. Angela Merkel e sua coalizão precisam urgentemente de um plano mestre para uma política digna de confiança. E também não faria mal dar uma olhada na Constituição e seu catálogo de valores fundamentais: a dignidade do indivíduo está bem no alto, não importando se se trata de alemão, estrangeiro, solicitante de refúgio ou migrante.

Isso não significa que possamos e queiramos ser a pátria para todos os aflitos e necessitados deste mundo. Porém, não nos deixemos dominar por um clima de medo e isolamento. Nós todos não devemos nos acovardar diante das tiradas de ódio dos populistas, mas, sim, lutar por nossos valores.

Isso também significa nos levantarmos e sermos orgulhosos de nossa cultura de boas-vindas. Está na hora de voltar a se guiar por ela de forma mais decidida!

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