"Então Merkel será reeleita?" – pergunta meu amigo, um livreiro em Tel Aviv, quando nos sentamos num canto da sua livraria para tomar um café. "O que você acha?" – diz ele, sem entrar em detalhes. "Os refugiados, o que você pensa sobre os refugiados?"
Eu me retraio. Refugiados são um tema que toca a minha alma.
"E se você fosse alemã, em quem você votaria?" – ele insiste.
"Mas eu não sou alemã" – respondo.
A Alemanha da minha infância
A Alemanha e eu – esse é um relacionamento longo e complexo. Como alguém que nasceu nos anos 1950 no Estado de Israel, filha de sobreviventes do Holocausto, a Alemanha está presente na minha vida desde o nascimento. As pessoas diziam que vieram do inferno, e o inferno era a Alemanha.
Qualquer produto com a marca made in Germany era imediatamente jogado para fora da minha casa e deveria ser engolido pelo chão. Alemão era uma língua proibida, e viajar para a Alemanha estava no topo da lista de tabus.
Ainda assim, minha infância foi marcada por estranhos sussurros da minha mãe: "A Alemanha também teve outros tempos", "a Alemanha é o berço da cultura", "nem todos os alemães são ruins" e "a Alemanha é o lugar onde eu sempre sonhei viver".
Com isso, ela conseguia me confundir e me irritar.
"Mas eu tenho um país" – eu respondia com raiva.
"Ter dois países é ainda melhor, und du brauchst zwei Heimaten [e você precisa de duas pátrias]" – era essa, sempre, a resposta.
Os anos 90
Minha mãe não vive mais. Muitas das pessoas com quem eu convivi na infância já morreram. Das minhas vivências e memórias de infância, da minha história de vida, saiu uma série de livros. Quando meu primeiro livro foi publicado, um editor alemão foi o primeiro a decidir traduzi-lo.
Depois disso, o tabu estava quebrado. Eu viajei para a Alemanha.
Cheguei com medo e ansiedade. Passo a passo e cautelosamente, construí relações com alemães de segunda e terceira geração, que estavam dilacerados pelo trauma, pela culpa e pela autorreflexão.
A cada novo livro que eu publicava, as paredes do medo caíam.
Um processo de transformação lento, difícil e doloroso começou a se desenvolver dentro de mim. Em algum momento eu estava disposta a ouvir as histórias de vida de outras pessoas.
Mais tarde eu encontrei palestinos. As relações interpessoais que nós construímos e os conhecimentos que obtive forneceram o material para os meus dois livros mais recentes. Para meu espanto, editoras israelenses rejeitaram esses livros. Eles acabaram sendo publicados primeiro na Alemanha.
Desde então eu vivo em dois mundos, em Israel e na Alemanha. Aprendi a lidar com os problemas que surgem quando tenho de gerenciar a minha vida num idioma que não falo fluentemente. E isso sempre dentro do curto espaço de tempo que os meus vistos permitem.
Quando acompanho as relações complexas e em evolução entre alemães e estrangeiros e observo as mudanças econômicas e a agitação social que elas produzem, um sentimento de preocupação me invade – e, nos dias em que neonazistas protestam, descubro o medo profundo dentro de mim.
"Eu não acho que eu conseguiria viver aqui" – digo para mim mesma.
A eleição de 2017
"Eu espero que a extrema direita não chegue ao poder" – digo, para surpresa de meu amigo, depois de já estarmos perdidos numa conversa sobre o verão de 2017, que se recusou a chegar a Berlim.
"E quanto à esquerda? Extremistas de esquerda também produzem o caos" – ele diz, inquieto.
De alguma maneira retornamos ao tema eleições, que pairava sobre nós o tempo inteiro. Como para acalmar as coisas, meu amigo acrescenta: "Ainda são grupos marginais na Alemanha".
Depois nos calamos por alguns momentos.
A minha Alemanha de hoje
Nos últimos tempos, meu círculo de amigos na Alemanha cresceu. Sinto-me privilegiada por ter novos amigos: um artista sírio, um autor iraquiano, um dramaturgo tunisiano, um arquiteto iraniano e um cozinheiro grego. A cada dia que passo na Alemanha, conheço pessoas e ouço histórias que só posso encontrar aqui. Penso no fato de que meu filho, que veio para a Alemanha como artista, conseguiu encontrar seu lugar aqui. E minha filha, que vive com sua parceira em Israel, disse-me que vai casar na Alemanha porque aqui é permitido.
"Então, quatro vezes seguidas de Merkel?" – ele pergunta.
"É um privilégio de convidados não fazer barulho por causa disso" – eu respondo.
"Sabe" – eu digo a ele – "nós só temos que pensar nos Estados Unidos ou mesmo no Reino Unido, na Hungria, na Polônia e em Israel (Deus me livre!). Turquia, Rússia, Coreia do Norte, Síria – a lista continua." Eu despejo a lista de um fôlego só.
"Atualmente há um vento da tolerância soprando no seu país, que transforma a Alemanha num 'lugar dos sonhos'."
Ele sorri.
"Parece que o seu desejo virou realidade. No fim das contas, nós – você tanto como eu – conhecemos apenas pessoas que vivem na mesma bolha que nós."
"A era das ideologias que nos cercam está desmoronando. Chega de capitalismo, comunismo, nacionalismo, racismo e religião. As pessoas estão chegando de vários lugares e de diferentes condições para o refúgio Alemanha. Elas querem viver em igualdade e liberdade, com proteção e compaixão. Esse lugar dos sonhos pode ser um começo para quebrar muros."
Eu vi seu olhar surpreso e cético.
"Mas você acabou de derrubar um muro aqui" – eu lhe lembro. "Esse provavelmente foi o início do processo que estamos vivenciando."
Clientes entram na livraria. Nós temos que terminar nossa conversa. O que eu disse surpreende a mim mesma.
"E em quem você votaria?" – ele não desiste.
"Antes de mais nada na Alemanha" – eu digo.
O legado de minha mãe
"Você precisa de duas pátrias." Eu ouço a voz da minha mãe quando saio da loja. De repente me dou conta de que a minha mãe foi a primeira a me colocar em contato com uma outra narrativa, a primeira narrativa a derrubar muros.
"Ja" – respondo.
Tive a sensação de que a faria feliz naquele momento. Acho que ela teria sorrido.
Nascida em Tel Aviv em 1953, Lizzie Doran escreveu sete livros e ganhou vários prêmios internacionais por sua obra.