Uma mensagem que fica é que o "porquinho untado", como o ex-primeiro ministro David Cameron gostava de chamar seu amigo Boris Johnson, mais uma vez conseguiu escorregar pelos dedos de seus oponentes. A outra mensagem, no entanto, é que no voto de desconfiança entre os próprios deputados conservadores, o chefe de governo britânico obteve um resultado pior do que sua antecessora Theresa May há três anos. Poucas coisas podem irritar Johnson mais do que isso.
A vitória que é uma derrota
Os precedentes históricos não são encorajadores para o primeiro-ministro. Theresa May demitiu-se seis meses depois, após apenas 60% de seus deputados a apoiarem. Sua situação política havia se tornado insustentável, em parte porque um certo Boris Johnson tanto intrigou nos bastidores que ela, estressada, atirou a toalha. John Major, por outro lado, sobreviveu ao voto de desconfiança sobre o Tratado de Maastricht em 1993, apenas para perder fragorosamente as eleições seguintes. Os presságios não estão nada bem para Johnson.
O premiê deveria realmente encarar a votação em seu partido como uma séria advertência. Mas o mestre do curto prazo em Downing Street se excede, entre outras coisas, em distorcer os fatos políticos a sua conveniência. Ele interpretará o voto de confiança de 59% de seus deputados como uma vitória que lhe dá continuidade no cargo. Afinal, ele agora está a salvo de novos ataques das próprias fileiras por um ano.
Ou, como disse "a voz do dono", o ministro das Oportunidades do Brexit, Jacob Rees Mogg: mesmo uma maioria de um é maioria. Isso convém a Johnson, mas é um erro. Pois com esta votação, o mais tardar, ele perdeu seu superpoder especial, ou seja, o de político brilhante e perpetuamente vitorioso. O brilho se apagou e o primeiro-ministro sofreu danos irreparáveis. Por mais tempo que se mantenha no cargo, Johnson, na melhor das hipóteses, continuará mancando em vez de dar grandes saltos.
Uma votação sobre o caráter
Como votação sobre o caráter deste primeiro-ministro, o resultado é um desastre. Pois o estopim do crescente descontentamento em suas próprias fileiras foi o escândalo das festas em Downing Street durante a fase de confinamento para conter a pandemia de covid-19. Não uma, mas várias vezes, Johnson e seus ajudantes mais próximos violaram as rígidas regras de isolamento que eles próprios haviam imposto aos cidadãos.
As redes sociais estão cheias de relatos de britânicos furiosos que tiveram que deixar seus parentes moribundos sozinhos nos hospitais durante a pandemia, enquanto na sede do governo se festejava. No interrogatório subsequente na Câmara dos Comuns, o primeiro-ministro também mentiu ao negar qualquer violação das regras. Isso em si é motivo suficiente para renúncia ou destituição do cargo.
Quando Boris Johnson assumiu como premiê, o antigo editor-chefe do jornal The Telegraph escreveu sobre seu ex-funcionário que, apesar de todo o seu talento individual, ele seria "profundamente inadequado" para um alto cargo governamental, e movido pela vaidade e interesse próprio. Amigos e inimigos no Partido Conservador sabiam desse julgamento, e muitos provavelmente o compartilhavam. Mas, depois de sua vitória esmagadora nas eleições de dois anos e meio atrás, eles se dispuseram a ignorar toda e qualquer deficiência do vencedor Johnson.
Atualmente, 60% dos britânicos acreditam que ele deve renunciar ou ser destituído: seu brilho apagou. As eleições locais de maio já trouxeram grandes perdas para os conservadores, e as próximas eleições também deverão trazer mais derrotas.
Os grandes projetos do primeiro-ministro, desde a recuperação econômica do Norte do país até a reforma do serviço nacional de saúde NHS, não deram em nada. Em vez disso, seu governo é assombrado pelo aumento do custo de vida e pelo empobrecimento iminente da população.
São tempos ruins...
...para alguém como Boris Johnson, que se distinguiu mais na arte da performance do que na substância política. Cada votação na Câmara dos Comuns será um teste para ele no futuro − e o drama em Londres continuará.
Mas o primeiro-ministro não poderá fazer a política séria que o país e muitos de seus amigos de partido exigem dele. Boris Johnson foi uma estrela da mídia antes de entrar para a política e depois não conseguiu se tornar um político. Seu modelo populista especial naufragou na votação dos conservadores britânicos desta segunda-feira à noite.
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Barbara Wesel é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal da autora, não necessariamente da DW.