Jogo de poder
2 de janeiro de 2009Num mundo em que a insegurança aumenta – como nos casos do Oriente Médio ou dos mercados financeiros –, a Rússia e a Ucrânia garantem ao menos uma certa previsibilidade: mais uma vez, pontualmente no Ano Novo, esquenta a briga dos dois vizinhos por causa do gás.
Moscou quer mais dinheiro de Kiev em troca do combustível, e Kiev exige taxas mais altas para o transporte do gás por seu território até a Europa Ocidental. Pelo terceiro ano consecutivo, os dois países conseguem a proeza de não chegar em tempo a um acordo nas negociações.
Eles blefam e ameaçam, espalham notícias falsas, atribuem ao outro lado tudo o que há de ruim neste mundo para, em algum momento de janeiro, se acertarem. Brigas à parte: os dois lados asseguram ao Ocidente que são e continuarão sendo parceiros confiáveis. A Rússia diz que continuará fornecendo a quantidade de gás combinada e a Ucrânia jura de pés juntos que o gás passará pelo seu território sem – como acusa o Kremlin – desviar um pouco para si.
Essa escaramuça só traz prejuízos para os dois lados – pelo menos de imagem. Pois é claro que no Ocidente crescem as dúvidas se é inteligente confiar a longo prazo nos dois vizinhos brigões do leste do continente. Certo é também que essa mistura de política e mercado energético, comum na Rússia e na Ucrânia, só pode piorar as relações a longo prazo.
Sugestões para privatizar a rede de transportes da Ucrânia são repetidamente rejeitadas pelo governo em Kiev. E também na Rússia ninguém acredita que o presidente algum dia venha a abrir mão da sua influência sobre a monopolista Gazprom.
Ou seja, na disputa em torno do gás não está em jogo apenas dinheiro, mas também poder, influência na região – trata-se de manter a pose, caso seja necessário ceder no final. Foi o que, no passado, levou à criação de estruturas complicadas e obscuras como a empresa intermediária RosUkrEnergo. E foi exatamente aí que milhões sumiram. A corrupção faz parte do jogo, o que não torna mais fácil um acerto entre Moscou e Kiev.
Ao final das contas, a briga não ameaça a Europa, ao menos não nos próximos meses. Os reservatórios estão cheios. A economia está paralisada, o que por si só já diminui o consumo de energia. É por isso que a União Europeia não se mete na briga.
A Rússia quer aproveitar o conflito para mais uma vez fazer propaganda para a construção de pipelines através do Mar Báltico. E ninguém pode culpar os russos por isso. Já a Europa continuará tentando trazer cada vez mais petróleo e gás das repúblicas centro-asiáticas da Comunidade dos Estados Independentes. E fará de tudo para que o transporte dos combustíveis fique livre da possibilidade de algum país fechar a torneira.(as)
Miodrag Soric é diretor-chefe da DW-WORLD.DE e da DW-RADIO e diretor do programa para o Leste Europeu da Deutsche Welle.